Dor Amarga

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Austin, Texas – 04:25 hrs

Não lembrava como havia chegado, quem havia o trazido, como havia acontecido. Era noite, assim ele achava. Não fazia diferença. Ou era dia... a luz do abajur confundia sua percepção do ambiente.

Levantou-se, sentia dores por todo corpo. Dor. Dor amarga. Não era a dor que sentiu quando apanhou daqueles cinco marmanjos no refeitório, na noite anterior; era uma dor diferente, violenta, violada. Yan Lee se sentou à beira da cama como pôde; as lágrimas turvaram sua visão como vívidas cascatas. Sentia dores... começavam pelas coxas com roxos profundos, subiam pela pelve e se espalhavam pelo resto do corpo em pontos estratégicos. Ele tirou o blusão que estava usando e notou, a priori, manchas arroxeadas em seus antebraços, seus ombros e seus mamilos — com pequenos cortes avermelhados em algumas delas. Era uma visão horrível, contudo, não era pior que a sensação de incômodo intenso entre suas pernas. Alguma coisa estava errada em seu corpo.

Arrastou-se até o banheiro, acendeu a luz e tirou a roupa. Sua peça íntima veio abaixo, estava tingida de um vermelho intenso que o impressionou. Tornou a sentir dores terríveis, soltou um gemido baixo no ato e se jogou para baixo do chuveiro; ligou sem se importar com a temperatura fria. A água escorreu pelo corpo trêmulo, pálido e cansado do moreno, que mal conseguia ficar em pé por muito tempo. Abriu um pouco as pernas e deixou que aquele vermelho vivo escorresse pelo ralo em um segredo obscuro que o fazia sentir profunda vergonha e repulsa por si mesmo. Levou uma mão às pernas, passou a se tocar. As coxas pareciam inchadas, os testículos doíam, havia uma ferida estranha na glande e saía sangue do ânus. Ele sentiu a necessidade de penetrar um dedo em si próprio; apertou os olhos ao sentir a dor, mas conseguiu remover uma pequena peça de um objeto de plástico que havia ficado presa no caminho e era o que provavelmente estava estimulando a inflamação. Yan não era uma criança... ele sabia o que havia acontecido. As lágrimas se misturavam à água do banho, a dor era incomensurável; um misto de sensações gritava em seu peito, que mal tinha voz para se expressar. Ele fez isso. Foi ele. Aquele a quem deu o seu coração, a quem amou com todos os seus pensamentos. Ele o traiu e o feriu para sempre, e, por isso, jamais conseguiria olhar nos olhos dos próprios pais por tamanha desonra que havia trazido para sua própria família. Yan se culpou imensamente.

Não... ninguém poderia saber. Seria o segredo obscuro que carregaria nas marcas do seu corpo e da sua mente pelo resto da vida.

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Refeitório, Escola Estadual Santiago Del Valle (dia anterior) – 12:30 hrs

Aquela foi a sua última semana na escola Santiago Del Valle.

Yan tinha uma dinâmica combinada com Adler: de dia, o loiro desfilaria sua namorada pelos corredores; à noite, o moreno teria total controle sobre o seu corpo. Todavia, não era uma situação na qual sentia que estava ganhando, Yan queria ser mais que um mero objeto de desejo, ele queria fazer parte de sua vida como um todo, mas não fazia ideia de como conseguiria convencer o amado a querer o mesmo.

Era horário de almoço. Yan pegou uma bandeja e passou a se servir; iria comer sozinho, como de costume. Estava para atravessar o salão da cantina quando ouviu, perto de si, a voz enjoada de Andrezza mencioná-lo na rodinha de conversa das meninas.

— Ei, imigrante! Se quiser, pode levar os restos da minha comida pra você e sua família, pelo visto vocês estão precisando pra ter que vir mendigar no país dos outros. Aproveita e volta pra sua terra também.

Ele bateu a própria bandeja na mesa e virou na direção dela. Deixou as coisas por lá e seguiu em sua direção, temia perder a cabeça assim que se aproximasse, mas nada o tiraria do foco agora. Aquela puta iria pagar caro.

Todas as Coisas VoltamOnde histórias criam vida. Descubra agora