Ten

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É peciso um pouco de inferno
Para saber o que vale o céu
Que alguma outra vez

Você tem que perder o que é certo

Para você saber

Pelo que realmente vale a pena lutar

(A Little Hell - Radical Face)

- Harry, será que você...

- Não estou no clima agora, desculpa. - Me desviei da ruiva que vinha tagarelando em minha direção, provavelmente pronta para pedir algo, como todos dessa escola. Poxa, eu pedir pra ser popular, não um faz tudo.

Cheguei na sala de biologia, e me sentei na primeira carteira, deitando minha cabeça na mochila e suspirando pesadamente. As coisas não estão nada bem para o meu lado e só tendem a piorar pelo que estou percebendo.

Meu pai ainda não voltou pra casa, minha mãe parece mais um morto vivo depressivo. Meus amigos - ou devo dizer 'ex'? - me odeiam. Aquela tal de Kristen deu pra pegar no meu pé. Nicholas anda meio distante ultimamente. Eu estou atolado de trabalhos. E, para ferrar com tudo mais um pouco, os dois primeiros tempos são da pior professora da escola.

- Desmanchem os grupinhos. Avaliação para a média em cinco minutos. - Sem nem dar um 'bom dia', a megera entrou na sala com uma pose digna de ditador, jogou suas coisas na mesa e foi anotando o horário que tínhamos para começar e concluir a tal avaliação.

Já disse o quanto odeio biologia?

Olhei para a minha folha como se ela fosse algo de outro mundo, e o fato de as perguntas não serem de múltipla escolha só contribuía ainda mais para isso.

Droga, eu deveria ter estudado.

''1: Em que parte da célula ocorre a Via Gliconeogênica?''

Isso pra mim é o mesmo que chinês!

Que diabos é gliconeogênica e de que isso vai me servir futuramente? Sinceramente, acho muito mais útil a gente aprender sobre o Turcomenistão, e olha que quase ninguém sabe onde fica isso.

Sabe a 'Porta do Inferno' situada lá? Pois então, estou pensando seriamente em desejar que Louis mande a Dolores, professora de biologia, pra lá. Vejam só, até o nome dela sugere dor. Isso só mostra que não estou exagerando.

- Quanta crueldade. - Louis apareceu, se sentando na mesa da professora, que ficava de frente para a minha.

''Uma ajudinha seria ótimo'', falei mentalmente.

- Isso não seria trapacear? - arqueou a sobrancelha - Além do mais, eu não faço favores, você quer ajuda, deseje - deu de ombros.

''Quanta crueldade'' - o imitei e não contive o sorriso quando ele gargalhou. Mas meu sorriso sumiu tão rápido quanto veio, pois a professora me encarava, sorrindo de volta. E só então fui notar que Louis estava sentado na frente dela, mas ela não o via, o que dava a entender que eu estava sorrindo para ela (a megera)

- Uhn, até a professora está interessada no Styles - Louis cantarolou - Só falta aquela verruga sinistra dela te paquerar também - gargalhou novamente.

''Que nojo'', fiz careta, abaixando minha cabeça a fim de reprimir o riso. ''Louis, quem não ajuda não atrapalha'', resolvi 'dizer'.

- Ok, ok, já entendi. - Levantou as mãos, sumindo num piscar de olhos.

O resto da avaliação seguiu de forma extremamente tensa, e eu me obrigava a me lembrar de alguma coisa, qualquer que fosse, sobre as explicações passadas. Incrível como tem gênios de quatorze anos ganhando olimpíadas internacionais de ciências e eu aqui, com dificuldade até para apontar um lápis.

A vida não é justa.

- Muito bem, larguem os lápis, o tempo de vocês se esgotou. - A professora anunciou, se levantando e recolhendo folha por folha. Aposto que ela ria maleficamente na mente, pois pela cara de todos, o negócio estava feio. - Vou até comprar mais caneta vermelha - ela comentou quando voltou a se sentar e ler, por cima, algumas avaliações.

Não falei que o negócio estava feio?

- Porque você não pede pra ser inteligente? Seria muito útil - Louis reapareceu.

''Nah. Que desperdício'', revirei os olhos.

- Desperdício é pedir pra ser popular - ele retrucou.

'' Não é desperdício, é questão de sobrevivência''.

- Eu não entendo vocês humanos. Só dão valor a coisas fúteis - O gênio resmungou, sumindo novamente. Revirei os olhos e voltei minha atenção para o mundo real, não vendo a hora de ir logo pra casa.

(...)

- Oi, querido, fiz o almoço pra você - Anne mal me deixou adentrar sua casa e já foi falando.

- Ahn, não devia estar no trabalho? - franzi o cenho.

- Não estava me sentindo muito bem - ela deu um sorriso fraco, pegando em meu braço e me guiando para a cozinha - Vou te servir. Lave as mãos, sim?

Fiz o que minha mãe pediu e me sentei a mesa, torcendo um pouco o nariz ao ver que, além dos pratos típicos, havia strogonoff de frango e eu odeio strogonoff. Mamãe, mesmo sabendo disso, me serviu uma grande porção, o que só me deixou ainda mais confuso.

- Mãe - a encarei preocupado - Se esqueceu de que eu não como isso? - perguntei suavemente, apontando para o prato.

- É a comida preferida de seu pai. - Ela ignorou sua pergunta, parecia meio aérea.

- Mãe...

- Droga, sinto falta dele - ela fungou, não conseguindo conter as lágrimas.

- Não, por favor, não chore - me levantei, indo até ela e a envolvendo num abraço.

- E-eu só o queria de volta - murmurou, escondendo o rosto no meu pescoço, enquanto suas lágrimas quentes desciam pelo mesmo.

- Shiiiiu. Vai ficar tudo bem. - Senti um nó se formar na minha garganta. Era tão horrível ver minha mãe daquele jeito.

Louis apareceu na cozinha, nos encarando de cenho franzido e um leve ar de pena para com minha mãe, que estava agarrada a mim como se eu fosse virar pó a qualquer momento.

- Oh, droga. - murmurou, se sentando na bancada e suspirando pesadamente - Eu sinto muito por isso, Harry.

''Tudo bem'', suspirei também, sem saber o que mais dizer.

.

.

.

Naquela noite, me deitei na cama, dessa vez sem a frequente companhia de Louis. Não sabia onde ele estava e não sabia para onde ia quando dava esses sumiços repentinos. De certa forma, agradeci por estar sozinho, pois assim eu poderia colocar os pensamentos em ordem, coisa que eu não tenho tempo de fazer ultimamente, o que contribui para minha mente estar uma bagunça.

O ápice de tudo o que é ruim, é o fato de minha família estar sofrendo por uma burrada que eu fiz. Não que eu soubesse que desejar ser milionário faria esse estrago todo, mas agora me sinto culpado pois, sabendo ou não, foi eu quem desejei e agora tenho que arcar com as consequências. Consequências que estão pesando terrivelmente sob meus ombros, como um fardo que você tem que carregar pelo resto da vida, desejando que pudesse saber que você deveria ter evitado aquilo antes.

Desejando... Ei, desejando! Mas é claro, como não pensei nisso antes? Oh, droga, eu não pensei porque está ai uma decisão difícil de se tomar, pois eu vou ganhar algo, mas em troca perderei também. Pensar nisso é terrível pra mim, pois eu não quero perder, mas que escolha eu tenho?

- Harry. - Louis apareceu do nada, me encarando assustado - Não vai desejar mesmo isso, vai? - Franziu o cenho, me encarando fixamente e, pelo que notei, cheio de temor.

- Como eu disse, Louis, é questão de sobrevivência e se tratando da minha família, eu não tenho escolha - sussurrei, vendo-o engolir em seco.

- Mas... mas isso significa que... - Ele não terminou de completar a frase, apenas deixou sua voz sumir antes que o fizesse.

- Sinto muito, Louis.

I wish (larry stylinson)Onde histórias criam vida. Descubra agora