◊ Capítulo 2 ◊

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    Eudora não estava feliz morando em Olyn.

Ela admitiu pra si mesma que, no começo, a ideia pareceu genial: Construir uma metrópole em um outro país e depois ligar a cidade com a antiga metrópole no antigo país deles através de estradas diretas. Pensaram: o território é nosso mesmo! — E, agora que ela analisava a situação com cuidado, percebia que o rei devia estar bem satisfeito. Ele e a família se mudaram para o palácio que — para a surpresa de todos — já havia sido comprado. O rei revelou que a ideia havia surgido muitos anos antes, quando descobriu que um antigo duque bem idoso, sem herdeiros, queria vender sua propriedade. O rei fez a compra, mas nunca visitou sua posse até a súbita decisão de levar com ele toda a sua família, temporariamente. Realizado esse desejo, ele, então, começou um grande projeto que envolvia reformar quase toda a cidade de Olyn — isso sem mencionar a expansão que fariam, para tornar o lugar digno da presença do rei.

Aqueles que chegaram um ou dois anos depois do início das obras podiam suspirar com a beleza da cidade reformada e caminhar pelas estradas e parques novos, admirando os vislumbres dos jardins privados.

No entanto, o problema foi que Eudora não chegou depois. O rei de Ulera, Laurent Chamye, queria supervisionar as obras de perto. E isso que significava que ela, Eudora Chamye, filha dele, precisava ir junto.

O primeiro ano foi o pior. As obras começavam cedo e faziam pausas apenas tarde da noite. Todos os dias, centenas — quem sabe até milhares — de homens acordavam e resmungavam, carregando aquelas ferramentas de formatos engraçados que Eudora não sabia a serventia. Alguns batiam no chão até o barulho de pafat pafat ecoar na cabeça de qualquer um pelo o resto do dia. E, então, quando o chão estava liso, eles faziam aquela massa estranha de areia e cobriam toda a parte do chão batida com a massa e pedras grandes.

Ora, seria bem interessante saber como as estradas eram feitas, pensou Eudora, se não houvesse tantos sons horríveis. Essa segunda parte era a pior: espalhavam a massa toda no chão de terra. E, como a mistura era de areia, quando usavam uma espécie de espátula para alisar tudo, a pedra raspava na areia com um strisk infernal. Logo após isso — como se já não fosse o suficiente! — colocavam as pedras em cima da massa e batiam outras ferramentas naquilo tudo.

Era insuportável. Tanto, tanto barulho... a princesa quase enlouquecera. Sentia falta de alguma coisa. Sentia que seus dias seriam mais agradáveis se fizesse algo, mas não sabia bem o que era.

Talvez fosse a falta do silêncio.
    Estava perdendo a cabeça sem a sua presença.

Perguntara ao pai se todas as estradas deviam mesmo ser pavimentadas e ele apenas respondeu que "caminhos eram a chave para a locomoção; e a locomoção era a chave de qualquer grande cidade de comércio bem sucedida".

   Sem mencionar a construção das casas. O pai de Eudora vendera vários terrenos variados para os antigos vizinhos na cidade natal, e eles decidiram começar a construir o que bem entendessem junto com o rei. Durante todo o primeiro ano, Olyn foi um caos. Madeira era cortada, carregada e transportada para todos os cantos. Grandes sacos de areia eram encomendados, barro era produzido, moldado e utilizado em tudo. Eudora presumia que fosse mais complicado que isso, porém o que ela via eles fazerem se resumia a quatro movimentos: bater, pilhar, colar e raspar.

Pior que tudo e qualquer barulho, com certeza era a poeira. Poeira maldita e que gruda, colando nas roupas e invadindo até mesmo as casas de janelas bem fechadas. Parecia poluir o ar, tornando-o mais denso e menos respirável. Menos puro e mais sufocante.

A segunda fase da construção foi mais tranquila: pintar paredes, corrigir pequenos detalhes, cobrir buracos e construir telhados. Ainda barulhento — porém, refletiu Eudora, será que existia forma de criar que não exigisse barulho? Ou ao menos um pouco de música? — Então, depois de quase catorze longos meses, quando tudo já havia sido batido, pilhado, colado e raspado... Chegou a terceira fase. E a preferida dela: construir os jardins. Sim, ainda era poeirento e a terra vermelha manchava quase tudo, mas pelo menos nesse estágio ela sentia que estavam retribuindo algo à terra, depois de moldá-la como bem entendiam. Parecia até... gratidão, entende?

Cindy e Ela [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora