◊ Prólogo ◊

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    Era conhecimento de todos que mulheres não tinham direito a nenhuma herança paterna. Nenhum título e nenhum dinheiro considerável além de seus dotes eram dados e, talvez, se o pai em questão fosse bondoso, podia garantir que seu herdeiro homem cuidasse de suas filhas até que as encontrasse um bom marido.

    No entanto, isso mudou com o título Tremaine. Era um milagre, mas as leis de sucessão foram permanentemente mudadas na família. E o crédito iria, claro, para uma intervenção divina. Afinal, essa é única maneira de uma mulher receber vantagens na sociedade, não concorda?

    A história de como ocorreu tal intervenção foi sendo alterada de geração para geração, porém, a síntese continuou a mesma: Quando um antigo rei de Ulera (aquele continente pequeno e frutuoso) dividiu e distribuiu suas terras para as famílias de confiança, ele deu um pedaço de um pequeno país — mais tarde chamado de Azaleia — para um Sr. Tremaine. O rei afirmou que construiu uma casa para o senhor e sua esposa e que a partir daquela casa, deveriam construir uma cidade próspera. Ele entregou a chave da casa para o homem. Então o homem entregou-a para sua mulher.

   "Guarde e proteja isso com a sua vida" ele disse.

    Era nessa parte da história que os detalhes se tornavam difusos e tomavam diferentes versões, no entanto, o rumo era o mesmo: a chave, antes de ferro e prateada, se transformava aos poucos em ouro puro nas mãos da esposa do homem. Tal como uma cobra trocando de pele.

    E o acaso, em toda a sua inexistência, fez o rei — e todos na corte — se virassem para presenciar a cena.

    É uma verdade inegável que o ouro era propriedade de Nelennia — a Deusa da abundância e dos bons relacionamentos —, tornando a mulher (e, em especial, suas mãos) abençoada pela Deusa. Seria ela à levar prosperidade para a terra que seria seu lar.

    O que tornava-a tão merecedora da terra quanto seu marido.

    Nesse dia, então, foi decidido que qualquer herdeiro do casal — fosse homem ou mulher — seria um herdeiro legítimo. Porém, mesmo com essa nova lei, o seu primeiro filho fora um garoto. Sendo assim, o homem deu a terra para o filho, que, anos após este, deu para seu filho, que deu para seu filho e, finalmente, que deu para sua filha. Essa filha, Leonor Tremaine, virou a viscondessa daquele lugar — chamado Colterre.

    Colterre era quase metade daquele pequeno país naquele pequeno continente e inicialmente foi um absurdo que uma pequena mulher tomasse-a conta, apesar do que afirmavam as leis da família. Mesmo assim, Leonor casou e viveu feliz, ganhando o respeito dos vizinhos fazendeiros e fama de ser uma das melhores cuidadoras da terra até então.

   Porém, as pessoas que viviam dentro da Casa Tremaine — os fiéis empregados da mulher — sabiam plenamente que isso não era verdade. Leonor foi, sim, uma ótima dona do lugar, porém, raramente foi feliz.

    Raridade que acontecia sempre com Leonor longe daquela casa e do marido frio e oportunista. Quando podia dançar nas festanças da vila ou permanecer em seus aposentos, na companhia de um bom livro. Contudo, os únicos momentos que a viscondessa se sentia verdadeiramente alegre era quando ia ao bosque ao leste da propriedade. Podendo então se perder entre as árvores e raízes e flores. E mesmo desprezando o marido que tinha, chegou o dia em que Lady Tremaine precisou encarar seus deveres.

    Ficando grávida como consequência.

    Depois de nove meses de muita espera e expectativa — além de muitas apostas feitas na vila sobre o gênero da criança — Lady Tremaine deu a luz a um lindo menino. De cabelos escuros e pele pálida como seu esposo.

Cindy e Ela [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora