— Agora entendo porque Margot dizia que seus cabelos eram um sonho — disse Amélie. — Eles estão enormes!
Cindy sorriu. Era verdade. Considerando o modo doentio como viviam, os trabalhosos cabelos longos eram um fardo, mas Cindy nunca se livraria deles.
Doentio, pensou Cindy. Sim, essa era uma ótima palavra para descrever suas vidas.
Devido às tarefas incessantes e exaustivas de Sra. Tremblay, os criados raramente tinham tempo livre. Portanto, Amélie e Pierre criaram um modo de vida minimalista quase de sobrevivência. Tudo que era considerado luxo foi cortado e tudo que exigia tempo de cuidado foi diminuído. Os empregados passaram a dividir quartos, porque se menos lugares eram usados, menos quartos havia para limpar. Com o passar dos anos, eles aprenderam como enganar Tirana, decorando aos poucos o que ela notava e o que passava em branco.
E como a praticidade era prioridade, a maioria das mulheres ali procuravam manter os cabelos curtos. Mas não Cindy. Para a felicidade de Margot, seus cabelos apenas cresceram.
— Ela me mandou uma carta — contou Cindy para a governanta. — Falou que os criados do palácio são exigentes, mas gentis.
Margot fora acusada por Tirana de roubar jóias e demitida injustamente. Amélie lhe deu uma florida carta de recomendação, como pedido de desculpas. Os pais de Margot aproveitaram a oportunidade e enviaram a jovem para Olyn. Com a chegada dos nobres, a busca por bons criados aumentou como nunca e ninguém ficara mais feliz que Cindy após descobrir que Margot agora trabalhava no palácio.
"Pareceu um milagre" fora o que Margot escreveu. "A ama da princesa em pessoa analisou todas aquelas criadas e me selecionou a dedo. Foi o momento mais feliz de minha vida". Logo abaixo, numa mudança súbita de assunto, aconselhou que Cindy cortasse pelo menos parte do cabelo, para facilitar o cuidado e fazer os fios crescerem saudáveis novamente. Mas Margot não entendia. Seu cabelo... era um gesto de rebeldia íntimo. O mais pessoal.
Uma prova de resistência.
Cindy nunca contou para Amélie, Margot ou para Julien o que aconteceu para fazê-la começar a apreciar tanto os cabelos e seu tamanho, mas Pierre sabia; e Amélie deveria suspeitar. Era uma mãe, afinal. Mães sabem de tudo. Quase sempre.
Aconteceu há muito, muito tempo, quando Cindy deveria ter quase sete de anos idade. Fazia apenas um mês desde a morte da Viscondessa Leonor e apenas uma semana que Sra. Tremblay morava ali.
Na época, Sra. Tremblay ainda não havia se revelado, pois os vizinhos a cercavam com consolos e presentes de boas-vindas. Assim, todos — incluindo Amélie e seu marido — acreditavam que a vida seguiria na paz que a Casa Tremaine sempre fora.
Contudo, a crença acabou naquela manhã.
— Bom dia! — disse uma voz de criança. Era estridente e insuportável de ouvir por mais de cinco minutos.
Cindy se sobressaltou. Ela não se lembrava muito bem de sua infância, mas lembrava de Amélie criando-a com privilégios raros. Já aos cinco anos, sabia ler e escrever, fazer contas básicas e havia decorado mapas geográficos. Além disso, sabia também que foi transferida para um quarto diferente do que lhe pertencia quando Sra. Tremblay tomou o título pra si. Leonor era uma viscondessa muito mais generosa, e fazia questão que as crianças — filhas de seus empregados e pessoas da redondeza sem acesso à escola — recebessem a devida educação. Mesmo com suas memórias embaçadas, Cindy sabia que ela e Julien foram uma prioridade: filhos, respectivamente, da ama falecida da Leonor e da governanta de sua casa.
Mas assim que a viscondessa se foi também, Amélie os colocou onde o restante dos criados dormiam. E passou a criá-los para serem bons empregados.
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Cindy e Ela [CONCLUÍDO]
RomanceCindy, uma jovem órfã, sabia que estava presa ao destino de criada para sempre. Trabalhava para a vaidosa e detestável Sra. Tremblay, viscondessa de um lugar chamado Colterre, onde estava a única família que ela conhecia, seu irmão e seus tios. ...