Capítulo dois.

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                             Melissa 🍯

Com a garrafa de água em mãos, subo o Alemão após voltar do recreio, onde havia aberto uma loja. Cada passo é uma luta nas escadarias que moldam o caminho até o topo. O calor do sol intensifica a necessidade da água, e a garrafa torna-se minha companheira durante a ascensão.

Enquanto avanço, os murmurinhos do entorno são intercalados com os sons do cotidiano no complexo. Tudo se modificou tanto após a morte da minha mãe. Meu peito anda mais vazio, minhas madrugadas não são as mesmas, e minhas conquistas não têm a mesma graça de antes sem ela para compartilhar.

Foi o que mais temia. Ela se foi e me deixou em um escuro imenso, esse labirinto não tem fim. Apenas sentei no chão do abismo e me conformei de que agora sou apenas eu. Foi difícil superar toda essa dor causada, mas vou levando com a ajuda do Gabriel e dos meus filhos. Por mais que me estressem, não seria capaz de trocá-los por nada. Nunca pensei que precisava construir minha própria família, até construir a minha própria família.

Em algum momento de nossas vidas, vamos perder alguém que amamos muito, e aí vão falar: "calma, vai passar." É mentira! Não passa. A única coisa que acontece é que aprendemos a conviver com essa dor, mas ela nunca para de arder, permanece ali, queimando. Tem dias que acordamos muito bem, em outros, os pés nem conseguem pisar no chão gélido do nosso quarto, mas isso não significa que está passando. Isso significa que estamos nos acostumando.

Não queria me acostumar a viver sem ela, mas foi necessário. Às vezes, ainda acredito que ela está apenas dormindo, mas quando chego na casa do meu pai e o vejo sentado na varanda, sozinho, olhando para o teto, percebo que tudo era apenas uma ilusão da minha mente.

Inúmeras vezes, em todos os meus dias, eu paro, nem que seja por um segundo, e repentinamente penso nela. Olho para a frente, respiro fundo, deixando o coração parar de doer aos poucos. Assim, vou vivendo, um pouquinho de cada vez...

— Boa tarde, tia Mel. ‐ O Bê acena para mim. Muito lindinho, nem parece que tem apenas oito anos. Ele vive dizendo para eu largar o Gabriel e esperar ele crescer para se casar comigo.

Mel: Boa tarde, Bernardo. - Sorrio simpática, e ele fica todo bobo.

Passo por um restaurante modesto, sentindo o aroma tentador das refeições que saem da cozinha. Minha preocupação pela Julia, que enfrenta uma fase difícil com o Yan envolvido em drogas, me motiva a parar e comprar uma marmita para ela. Examino o cardápio com atenção, escolhendo cuidadosamente algo que possa levar alívio à rotina conturbada da minha Juju.

Ao pagar, carrego a sacola, consciente de que, naquele gesto simples, estou oferecendo mais do que apenas comida. É um ato de compaixão, uma tentativa de amenizar as feridas que meu irmão tem causado nela.

Muitas humilhações, palavras horríveis, ao ponto de diminuir a integridade e a moral da Julia. Ela é apegada a ele, assim como me tornei ao Gabriel. Ele pode ter mil defeitos, mas quando precisei, não soltou minha mão. Pelo contrário, me levantou, enxugou cada lágrima e tranquilizou minha mente com sua voz rouca. Aquela que sempre me fez fraquejar...

Mel: Vai comer sim, cara. Tá maluca? Você tá magra demais, Julia. Isso é coisa séria. Tu tá se preocupando tanto em cuidar do Yan, mas e você? Quem vai cuidar de você? - Chego na casa dela e a mesma está dobrando seu uniforme do hospital no sofá da sala.

Júlia: Não precisa bater cabeça, Mel. Eu tô bem. - Mente. Seu semblante caído denuncia o quanto ela pede ajuda. Julia implora socorro pelos olhos. Uma expressão fatigada e esmaecida. As olheiras profundas entregam noites mal dormidas. O brilho que costumava habitar ali agora dá lugar a algo opaco. As linhas finas ao redor contam histórias de esforços constantes. Esforços que ela dedica cem por cento a ele. Somente!

No Alemão 3 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora