O que está acontecendo? O mundo está ao contrário e ninguém reparou...

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Meus pais brigaram muito nessa época. Era praticamente todos os finais de semana eu indo dormir tendo que ser ninada por gritos que vinham da cozinha. Tendo que distrair os meus irmãos de ouvirem qualquer piu da discussão que ocorria na parede ao lado. Foi muito difícil.

   Quando o meu pai chegava em casa depois da semana toda trabalhando fora, o sentimento que antes era de felicidade, agora tinha se tornado em tristeza por ter certeza que teria que ouvir muito naquela noite.

   Não que eu não gostasse mais dos meus pais, mas um tempinho longe deles seria bom. Um tempinho igual ao que era na minha infância. Onde eu enxergava eles como meus heróis, pessoas que eu gostaria de ser quando crescesse ( além da Elza Soares, é claro ). Mas naquele momento, eu desejava ser diferente deles quando fosse maior. Queria ter alguém que me amasse tanto quanto eu o amasse. Ia me esforçar ao máximo para isso acontecer.

   Com o tempo, nós conseguimos nos estabilizar no Rio. Eu e os meus irmãos começamos a estudar no Pedro II, colégio militar que tinha perto da nossa casa e que dava para ir a pé. Todos os dias, eu acordava bem cedinho, me arrumava, ajudava os meus irmãos a se arrumarem, tomávamos café junto com a nossa mãe e íamos para a escola juntos. Era muito fofo o Ronaldo indo de mãozinha dada com a Rúbia…

   Claro que às vezes brigávamos até chegar na escola porque eles são mais novos e quem tem irmãos mais novos sabe como é que é. Tudo era motivo de briga, até quem ia atravessar a rua primeiro.

   A minha adaptação na escola até que tinha sido boa comparada a do Pará. O povo do Rio era menos careta do que lá, mais mente aberta e diferente. Era uma galera que curtia ouvir as músicas e se comportar contra a ditadura militar, que iam em protestos para defender a pátria, que estavam praticamente de frente com a revolução. Eu achava tudo aquilo muito incrível, mesmo meus pais não tendo uma boa visão disso tudo. Meu pai era militar e a ditadura era boa para ele, por isso sempre pensei que a ditadura devia ser boa para todos, coisa que se mostrou diferente quando me mudei para o Rio.

   Tive contato com todo o tipo de gente do Brasil inteiro, o que fez eu abrir minha mente para conhecer novas culturas e novos jeitos de ser de todo o país. Achava isso mó massa já que me ajudou a quebrar vários estereótipos que eu e provavelmente outras pessoas tínhamos com alguns lugares. Pude ver que o mundo era muito maior do que aquele que eu imaginava. 

   Em relação às minhas notas, eu nunca fui uma aluna nota 10, daquelas que passam o dia todo estudando, que são todas organizadas, que fazem todas as atividades. Eu não era nem boa nem ruim, tinham matérias que eu ia bem, como linguagens e humanas, e outras que eu não ia tão bem assim, como matemática e biológicas. Para os meus pais, desde de que eu não repetisse de ano, estava bom. 

   Desde essa época, eu já sabia que eu queria ser artista. Se fosse de circo, televisão, teatro ou no meio musical, eu só queria trabalhar com a minha arte. Acho que isso também levou aos meus anos escolares não serem os meus favoritos. Eu dormia muito nas aulas e faltava também. Não via utilidade em ter que aprender aquelas coisas todas para trabalhar com a minha própria alma, comigo mesma. 

   

   Vendo que eu não tava tomando rumo na minha vida, meus pais, depois de algumas muitas discussões, decidiram me colocar em algumas aulas extracurriculares e me deixaram escolher. Como eu tava querendo muito fazer ballet, eu optei por fazer esse mesmo. Tadinha de mim! Mal sabia eu que seria expulsa no mesmo dia!

   Eu posso explicar! Eu sempre fui uma criança maior do que as outras. Em relação ao peso e a altura. Então, sempre quando eu tinha que fazer atividades ou só brincar com as crianças da minha idade, elas ficavam com medo de mim porque eu era grande. Sempre achei isso muito engraçado!

   Quando entrei na aula de ballet, todas as meninas que estavam na minha sala eram menores que eu, já que eu estava na sala dos iniciantes. Logo no início, a professora pediu para cada uma falar seus nomes, sua idade e fazer algum passo de ballet que tinha visto e tinha achado legal. Eu, bem metida, resolvi fazer uma pirueta, já que eu achava lindo ver as bailarinas fazendo na TV. 

   - Meu nome é Cássia Rejane, tenho 13 anos e o passo que eu acho mais bonito no ballet é a pirueta. - Tá. Até o momento, tava tudo certo.

   Quando fui fazer o meu lindo giro, UMA CRIANÇA SURGIU DO BURACO ATRÁS DE MIM E EU BATI MEU BRAÇO COM TUDO NO QUEIXO DELA!!!!

   Resumindo para caralho: A criança deslocou o maxilar e eu fui expulsa antes mesmo de começar as aulas!!! 

   Talvez a dança não tenha sido para mim. Resolvi tentar ir para a parte musical e de linguagens, que foram as que mais deram certo. Comecei a fazer aulas de francês e piano, e recebia elogios constantes das minhas professoras. Inclusive, nessa mesma época, eu fui convidada para cantar no coral da igreja! Era meu sonho desde de pequeninha, então aceitei na hora.

   Eu passei a frequentar a igreja praticamente todos os dias. Me tornei muito religiosa. Achava que com muita oração, Deus ia fazer o milagre de fazer meus pais pararem de brigar. Toda vez que o bagulho tava feio, eu pegava meu terço e começava a rezar baixinho. Rezava a todo instante. Pregava a palavra para os meus amigos mais próximos. Todos falavam que eu deveria virar freira e era isso que eu estava querendo me tornar.

   Morar em um convento e trabalhar como professora em uma escola católica parecia perfeito para mim. É, talvez Deus pudesse olhar para o meu coração e minha vontade de fazer o bem e resolver as questões dos meus pais…

   Percebendo o meu empenho e o meu bom comportamento, minha família resolveu me dar um presente mais que especial no meu aniversário de 14 anos. Um presente que seria crucial para a minha futura profissão. Na caixa, estava o que eu sempre sonhei: Um violão.

Um anjo caído: a história de Cássia Eller - volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora