O amor me pegou...

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Quatro longos anos se passaram e aconteceram muitas coisas. Meus pais não estavam mais brigando como antes, não estavam mais descendo o cacete um no outro. Não que eles tenham mudado ou até mesmo melhorado, nada disso, mas a briga agora era mais silenciosa, em uma troca de olhares e no máximo, em uma conversa. Tudo acontecia muito às escondidas de mim e dos meus irmãos e isso me preocupava. Não dava para saber o que estava acontecendo e o que iria acontecer.

Em relação aos meus irmãos, a única coisa que mudou foi que eles cresceram. Eu estava com 17 anos, as gêmeas com 15, Rubinha com 13 e Ronaldo com 11. Mesmo tendo alguns anos de diferença, nós ainda conseguimos ser bem unidos. O único que era um pouco mais excluído era o Ronaldo já que ele era o mais novo e também era menino. Devia ser triste não ter nenhum irmão para brincar de "coisas de menino", então eu sempre arrumava uma brechinha da minha semana para jogar pelada, empinar papagaio, bolinha de gude, essas coisas. Mas aos 17 anos, eu fiquei um pouco mais feminina e parei de brincar tanto com ele. Já explico o porquê dessa mudança tão... radical.

Toda vez que os nossos pais não estavam em casa, eu ficava responsável pelos os meus irmãos e como uma boa irmã mais velha, mandava eles fazerem alguns serviços para mim como pegar água na geladeira, fazer massagem nos meus pés, lavar a louça que eu deveria ter lavado mas fiquei com preguiça... Tudo o que eu queria que fosse feito, eu mandava eles fazerem. Adorava esse negócio de liderança. E se viessem reclamar, eu fazia questão de lembrá-los que eu era a mais velha e mandava na porra toda quando nossos pais não estavam presentes.

Nós tínhamos sido expulsos de seis apês e casas durante esses quatro anos. Quem vê pensa que somos tudo criminosos que tem que ficar trocando de endereço para fugir da polícia. Quem dera! Era tudo culpa do papai que deixava o aluguel sem pagar e ficávamos devendo até por meses quando o dono do apê era bondoso demais ou quando esquecia de cobrar mesmo. Muitas vezes fomos expulsos no meio da noite e tivemos que ficar em algum hotel. Isso quando tínhamos sorte. Essa questão das várias mudanças também implicava na relação dos meus pais, que fizeram ameaças de divórcio inúmeras vezes.

Mamãe começou a trabalhar também. Depois de vários anos como dona de casa, mãe e com a grana dependendo toda do marido, ela resolveu voltar para a vida de proletária. Fez um curso técnico de enfermagem, concurso público e passou em um dos primeiros lugares. Logo começou a trabalhar em um hospital que ficava próximo a nossa escola, em que ela nos levava antes de ir para o trabalho. Ela ficava lá durante o dia todo, das 7 horas até às 18. Isso quando ela não precisava fazer hora extra.

Para ocupar esse tempo que ficaríamos em casa fazendo nada, ela e o papai sugeriram para a gente escolher alguma coisa para fazer no período da tarde, como aula de alguma língua ou algum esporte. As gêmeas escolheram fazer nada e ajudar com a casa mesmo, Rubinha escolheu fazer aulas de xadrez e Ronaldo escolheu fazer aulinha de futebol.

Quando fui questionada sobre o que eu gostaria de fazer e eu não pensei duas vezes: escolhi fazer trabalho voluntário na minha igreja. Eu estava muito empenhada na minha vida religiosa na época. Cantava no coral, ajudava na liturgia, na catequese e na paróquia em geral, queria ser freira. A menina cristã perfeita. Falando em igreja, foi lá que conheci meu primeiro ( na época atual ) namorado.

Não lembro muito bem da primeira vez em que eu vi ele, mas lembro da primeira vez em que começamos a nos falar mesmo. O Ítalo ia à igreja desde de que era pequeno, muito antes de eu amarrar minha égua no Rio. Todas as velhas que não tinham onde cair mortas ou que o marido delas as traíam toda noite diziam que ele era "bom partido" e que a menina que namorasse com ele teria muita sorte.

Eu achava isso muita baboseira e que talvez ele nem fosse tão interessante assim. O único homem que eu gostava na época ao ponto de chamar de interessante era o Chico Buarque. Estava completamente apaixonada pelo novo disco dele que mamãe conseguiu comprar em uma vendinha perto do nosso apartamento. Mas depois que conheci mais o Ítalo em um encontro de grupo jovem, resolvi dar uma chance para ele.

Um anjo caído: a história de Cássia Eller - volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora