Taboquinha, Zona Rural de Matinho, 08:45 AM
Jardel e Leonardo estavam no topo do Morro da Maria Joana, ambos sentados numa enorme pedra, eles comtemplavam a imensidão do pequeno pedaço de mundo que podiam enxergar naquela altitude. Eles haviam subido o morro para tentar encontrar filhotes de Periquitos de Algodão (também conhecidos como Goela Seca naquela região), porém não encontraram nada. Todos os cupinzeiros (na Gurunga onde predomina o bioma Caatinga os cupins constroem suas casas em árvores) que eles checaram estavam intocados ou os periquitos já haviam ido embora, essa espécie de ave abre buracos em cupinzeiros abandonados e faz o ninho dentro da morada abandonada de tais insetos.
— Os bicho é difícil de achá. — Comentou Leonardo —
— É... eu mesmo já tentei achar muitas veiz, mais até hoje nunca dei sorte. — Disse Jardel —
— Aquele que eu tem lá incasa eu achei aqui nesse morro, eu tava mais Milson no dia, eu fiquei com um e ele com o otro, mais o dele morreu ainda filhote. — Contou Leonardo —
— O seu já tem quantos anos? — Perguntou Jardel —
— Uns 5 anos. — Respondeu Leonardo após pensar por um breve instante —
Os meninos ainda permaneceram descansando sobre a pedra por mais alguns minutos e depois desceram para a casa do tio-avô deles, Rivelino, que era conhecido por "Piqueno". Depois de muitos aranhões, tropeções, cansaço e sede, eles chegaram até a casa do Piqueno, eles encontraram o tio moendo milho verde num moinho manual, os garotos pediram a benção ao tio que respondeu "Deus te abençoe". Valdinete, a esposa de Piqueno e tia emprestada dos meninos (nesta região é comum se referir a alguém que é esposa ou esposo de seu tio/tia como tio ou tia emprestada por essa pessoa não ser parente de sangue, claro que isso não é dito para a pessoa em questão, apenas quando se fala dela para outrem) os chamou até a cozinha para tomarem café e comerem mandioca cozida com manteiga e açúcar salpicado por cima.
Depois de prosearem um bocado os primos se despediram, Piqueno e Valdinete ainda insistiram para eles ficarem para almoçarem lá, mas os meninos recusaram educadamente e desceram a terrivelmente acidentada ladeira entre morros que ligava o Olho D'água com a Taboquinha.
— Cê acha que Valdemiro ainda é cabaço? — Perguntou Leonardo —
— Véi... — Começou Jardel fazendo uma pausa para pensar no que iria dizer —
— Eu acho que é, porque eu nunca ouvi falar nada, ele também nunca disse nada, toda vez que a gente fala dessas coisas ele fica de fora do assunto... ele deve ter vergonha de dizer que ainda é cabaço. — Respondeu Jardel —
Os primos estavam na metade do caminho neste momento, descendo com cuidado o terreno cheio de pedras soltas e buracos.
— Eu também acho que ele é porque é difícil um cara novo que nem ele ficar com uma nega pra transar e não falar nada pros conhecido, pros amigo e pros primo. — Disse Leonardo —
— O engraçado é que ele não é um cara acanhado, o bicho tem coragem de fazer umas coisas que a gente não tem. — Comentou Jardel —
Leonardo riu e fez um gesto de concordância com a cabeça.
— É verdade... ele chega chegando nos lugares, não tá nem aí, fala com quem tiver que falá. — Disse Leonardo —
— Eu e você não tem essa coragem que Valdemiro tem... tá lembrado aquele dia na fêra de Viaporã? Cê queria perguntar o preço de uns boné numa barraca, mas o dono tava de costas e você falou baixo e o cara não escutou, aí você tentou chamar a atenção do cara mais umas duas vezes, mas tinha muita zuada e o cara não escutava de jeito nenhum, então Valdemiro que tava com a gente perdeu a paciência e chamou o dono da barraca falando alto pra o cara escutar. — Mencionou Jardel —
Leonardo sorriu e concordou com a cabeça se lembrando do ocorrido.
— Foi mêrm... eu tava com vergonha de falar alto, eu nunca gostei de falar alto, nunca... seilá... eu não gosto, se for pra mim chamá uma pessoa gritando, eu não chamo! Eu vou caminhá ligero até chegá na pessoa, mas não vou gritá. — Disse Leonardo —
— Eu não tenho muito esse problema, mas também não gosto de ficar gritando gente de longe na rua, só faço isso se não tiver outro jeito mesmo. — Explicou Jardel —
Eles agora haviam chegado na encruzilhada da estrada que ligava Matinho a Viaporã, os rapazes tomaram o rumo da casa dos avós.

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Gurunga 6
Ficción GeneralAcesse esse link para consultar o dicionário da Gurunga https://rangeloblivion.blogspot.com/2020/06/dicioario-da-gurunga.html Baseado em eventos reais NOTA DO AUTOR Este é o sexto livro da série Histórias da Gurunga. Nos livros anteriores os "causos...