Gurunga 11 de 14

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Bairro São Sebastião, Beija Flor, 10:38 AM

O time de Chitão havia acabado de perder por 4 a 2, ela estava assistindo o pessoal jogar sentada num velho pneu de trator próximo ao campinho de terra onde a molecada joga futebol.

"Droga... foi cupa de Fabin que não tocó pra mim quand eu tava pert do gol! E também de Vitão aquele aléjado que chutô pra fora quand tava na cara do gol!"

Pensou Chitão.

Os pensamentos de Chitão sobre a derrota de seu time foram interrompidos por uma menina que lhe chamou.

— Chitão! — Chamou uma voz com tom de urgência —

Chitão girou o corpo para olhar para trás, tratava-se de Vanessa, prima de Chitão.

— O que foi? — Perguntou Chitão —

A menina estava com o rosto avermelhado e suado.

— Vandin.... — Começou ela, mas parou para tomar fôlego —

— Vandin tá bateno ni Rogerio... — Disse ela parando para recuperar o fôlego novamente —

Chitão levantou-se imediatamente.

— Onde? Me fala onde eles tão! — Disse Chitão em tom imperativo —

— Perto na portera do Rancho de Xandão, Vandin tava- — Respondeu Vanessa, mas não concluiu a frase, pois quando percebeu que Chitão já estava correndo —

Chitão era uma moça magra e atlética, em poucos minutos ela já estava chegando na entrada do Rancho de Xandão. Chitão viu de longe uma pequena aglomeração de garotos em volta de mais duas pessoas, alguns estavam em pé, outros montados em suas bicicletas. No meio do círculo de moleques, estavam Vandin e Rogerio, Rogerio estava no chão e Vandin estava sobre o pequeno garoto. Vandin estava com o joelho direito prendendo os finos braços da criança e com a mão direita ele dava tapas no rosto de Rogerio. Alguém em meio aos meninos que assistiam aquele ato de covardia até disse para que Vandin parasse com aquilo, mas Vandin nem sequer prestou atenção a isso. O rosto de Rogerio estava vermelho devido aos vários tapas e também molhado de lagrimas, Rogerio implorava para que Vandin o soltasse.

Vandin riu, deu mais um forte tapa na face de Rogerio e se preparou para cuspir no rosto do menino, Vandin escarrou, juntou a saliva e catarro na boca, mas a cusparada não acertou no rosto de Rogerio, pois a cabeça de Vandin girou para o lado direito e um pouco para cima, a saliva e muco voou pelo ar e atingiu alguns dos moleques que estavam por perto, alguns xingaram e outros disseram palavras como: "Eca", "Que nojo". Vandin caiu desorientado, o mundo parecia girar quando ele olhava para o ambiente, ele só foi entender o que tinha acontecido quando sua tontura passou e ele viu Chitão ajudando Rogerio a se levantar e o mandando ir embora para casa.

"Essa sapatona da disgraça me deu uma bicuda na cara!"

Pensou Vandin.

Foi realmente o que aconteceu, sem parar de correr Chitão entendeu toda a situação ainda de longe, ela veio correndo, os moleques abriram caminho para ela passar, o pé magrelo de Chitão acertou em cheio o rosto arredondado de Vandin.

— Fila da puta! Cê só tem coragem de batê ni criança e gente fraca e medrosa! Vem pra cima de mim pra você vê! — Ofendeu e desafiou Chitão —

A situação não estava nada boa para Vandin, se aquela cena não tivesse sido vista por tanta gente, Vandin poderia deixar para lá, pois enfrentar Chitão na mão não era uma boa ideia, apesar dela ser mulher, ela era mais boa de briga do que muito homem. Se ele fosse embora, ficaria com a reputação de covarde (o que ele realmente era) e também levaria consigo a humilhação sem ter ao menos tentado revidar. Por alguns instantes Vandin ficou travado nesse dilema, ir embora humilhado ou entrar em confronto físico com Chitão e correr o risco de apanhar ainda mais. Para a sorte de Vandin um Deus ex Machina ocorreu (Expressão que era usada no teatro grego para quando algo improvável ocorria, uma solução "divina"), Xandão apareceu segurando uma taca de couro (chicote/chibata) para açoitar animais.

— NINGUÉM VAI BRIGAR AQUI! SE BRIGAR EU VÔ DESCÊ A TACA! — Ameaçou Xandão —

A princípio Xandão não tinha percebido que Chitão estava ali, ele e ela eram amigos, apesar da grande diferença de idade.

— Chitão!? O que tá sucedeno aqui? — Perguntou Xandão —

— Esse disgraçado tava bateno ni Rogerio! Disse Chitão apontando Vandin que estava encostado no mundo massageando o lado do rosto machucado —

Xandão olhou severamente com seus olhos profundamente azuis para Vandin.

— Ocê merecia eu li cortá o côro das costa com essa taca, mas eu não sô seu pai, intão vô largá pra lá! Agora some daqui antes que eu perdo a paciência! — Disse Xandão severamente —

Apesar das ofensas e ameaças, aquela situação foi favorável para Vandin, porque agora ele tinha uma desculpa para não enfrentar Chitão e ir embora sem parecer mais covarde do que ele já era. Vandin cuspiu um bocado de saliva misturado com sangue para o lado e saiu caminhado lentamente, ele ainda deu um último olhar de ódio para Chitão e seguiu para sua casa.

— Esse muleque é o cão! Esse trem não tem futuro não, eu tem pena da mãe e do pai dele. — Comentou Xandão —

— Por que ele tava bateno ni Rogerio? — Perguntou Xandão —

— Eu não sei, quand eu cheguei aqui ele já tava dicima de Rogerio dando tapa na cara do minino, capaz que não foi por causa de nada, esse Vandin é ruim! Ele gosta de judiar dozôto! — Respondeu Chitão —

À essa altura, a molecada que assistia o espancamento de Rogerio já havia se dispersado, Xandão se despediu de Chitão e entrou em seu Volkswagen Gol de cor prata, os amortecedores baixaram com o elevado peso do homem.

Gurunga 6Onde histórias criam vida. Descubra agora