Capítulo 1- Imagem no espelho

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Londres, 1914

O barulho da janela batendo, tirou a garota ruiva de seus devaneios. Perdida entre páginas e páginas de um romance que começara a ler no dia anterior, ela mal respirava.

Seus olhos azuis passavam por cada frase de forma totalmente concentrada, como se quisesse engolir cada palavra, absorvê-las com sua alma, para depois poder declamá-las em seu quarto quando estivesse sozinha e longe de olhares curiosos.

Ela se levantou da escrivaninha onde estivera sentada um pouco irritada com aquela intromissão, caminhou até a famigerada janela que ousara atrapalhar sua leitura e antes de fechá-la, olhou para fora onde se localizava o jardim da casa e se deparou com um céu completamente negro.

Quando viera para a biblioteca naquela tarde, o sol ainda brilhava, por isso, a iminência de uma tempestade a assustava absurdamente, assim como ganhava seu coração. Anne sempre amara a chuva com seu aspecto romântico que a fazia sonhar além da conta com castelos e histórias de amor.

Era uma apaixonada confessa por tudo que estivesse ligado ao romance, princesas e belos príncipes. O que lhe valia muita zombaria de sua irmã gêmea, Amybeth, que era uma pessoa totalmente distinta dela. O que tinham de semelhante, além da aparência idêntica, era basicamente nada, pois suas personalidades diferiam como a água e o vinho.

Amybeth era uma garota do mundo, como ela mesma gostava de se autodenominar. Amava tudo o que tinha a ver com o perigo, com a aventura e o modernismo. Detestava sua condição feminina, pois dizia que se tivesse nascido um homem, poderia fazer o que quisesse, enquanto que carregando um corpo feminino estava fadada às prisões da sociedade, que determinava qual lugar a mulher deveria ocupar.

Nenhuma atividade doméstica a atraía. Ela não bordava, não costurava, sequer sabia cuidar de uma casa, porque em sua concepção de vida, essas eram tarefas que não lhe cabiam. Não nascera para uma vida onde teria como cenário apenas as entradas ou o jardim de uma casa. Seu espírito almejava mais e ela precisava de mais, porém, não encontraria o que procurava nos bailes, os quais era obrigada a frequentar, ou em jantares monótonos, em companhia de mulheres igualmente monótonas a quem fingia suportar. Seu objetivo estava no mundo, fora dos muros daquela casa onde nascera e vivia desde então.

Em contrapartida, Anne tinha uma natureza mais afável. Aceitava seu lugar no mundo com naturalidade. Aprendera desde cedo qual era sua posição na hierarquia familiar e não se aborrecia como Amybeth, com as tarefas que deveria desempenhar. Mas isso não queria dizer que não tivesse seus sonhos, longe disso, ela tinha muitos, embora não fossem tão ambiciosos quanto os da irmã.

Amybeth desprezava o amor, Anne esperava por ele, o que era a causa de grandes discussões estimulantes entre as duas. Enquanto Anne falava de Shakespeare e podia descrever com detalhes suas histórias inspiradoras, Amybeth fazia questão de citar nomes de mulheres através dos tempos, que conquistaram seu espaço sem um homem como respaldo. O que Anne via como uma realização de vida, sua irmã via como tédio, especialmente se implicasse filhos, os quais ela não tinha intenção nenhuma de ter.

Embora fossem tão diferentes, elas se completavam, como duas partes de um coração batendo em um mesmo corpo. Anne amava a irmã profundamente e sabia que Amybeth a amava também, e isso era um fato incontestável a qualquer pessoa que as observasse de perto.

Órfãs de mãe e tendo apenas o pai, um Conde de poucas posses, para educá-las conforme os costumes da época, elas cresceram inseparáveis. Amybeth, por ser mais desinibida e sociável, tinha mais fácilidade em se socializar, enquanto Anne por ter uma personalidade mais tímida e retraída, se escondia atrás da irmã, que a protegia de tudo e de todos, como uma leoa feroz e o faria até a morte se fosse necessário.

Dois lados da mesma moedaOnde histórias criam vida. Descubra agora