Café escuro como nossas almas

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23 🦇 01 🦇 1951


Maldito Diário,


Uma diferença interessante entre monstros e humanos é o fato de que nós monstros não tentamos influenciar uns aos outros... Já no caso dos humanos... É incrível como após tão pouco tempo na companhia de Alfredo, chamá-lo de "maldito" me soa agora tão... tão depressivo!...

O que acha, diário? Do que mais eu poderia chamá-lo? Como é mesmo que os humanos costumam dizer?... Ah, sim! Querido diário! Oh... Mas isso soa tão meloso... Não,  não, precisa ser algo entre as duas palavras...

Oh!... Veja o que estou fazendo... Apenas enrolando para escrever a alegria que tem sido os meus últimos dias.

Nos últimos dois meses, Alfredo e eu nos tornamos bons amigos e até passamos o Natal juntos! Não estou certa de que sua família tenha chegado a apreciar minha presença (a maioria deles quase agindo com o mesmo nível de constrangimento com o qual Afredo reagiu na primeiras vezes em que nos encontramos), mas, de qualquer forma, foi uma noite realmente adorável!...

Ver Alfredo lentamente refazer suas forças com o apoio da família era tudo o que eu precisava para começar a me curar também...

Mas antes disso, logo depois de nosso inadvertido encontro no parque, foi com nossos corações partidos que decidimos ir ao café mais próximo na esperança de que um pouco daquela água escura podesse clarear um pouco as nossas ideias.

Já lá, sentados de frente um para o outro, Alfredo levou alguns minutos para desviar seu olhar da toalha da mesa para me encarar com sua cabeça ainda pendida para frente.

— Você também não parece tão bem... — ele disse. — O que houve?! Eu digo, se é que quer fal...

— Estou bem!... — o interrompi, forcando uma expressão mais alegre antes de tomar mais um gole do café desprovido de açúcar e leite em minha xícara.

— Tive tanto medo de você antes... O preconceito mais idiota e estúpido... Quando o monstro real estava comigo o tempo inteiro...

Me engasguei com o café. O que ele disse era verdade, mas isso não mudava em nada o fato de eu também ter sido um monstro nos últimos três séculos de minha "morte vida".

— Aquelas pobres crianças... Sendo feridas por aquela... Quão covarde, quão... — ele seguia quase a grunhir.

— Alfredo. — Coloquei minha mão direita sobre a sua esquerda ainda a agarrar a xícara junto com a outra, ambas as mãos prestes a parti-la em duas...

Ele respirou controlando-se.

— Alguém deve ter descoberto tudo e decidido por um fim nisso...

— Mas eles não tem prova alguma, tem? — Soltei sua mão a arregalar os olhos.

— Não... Os pais das crianças tem álibis, assim como eu, é claro; e eles não sabem quem mais teria razões para tal vingança...

— Entendo... — Respirei aliviada, tanto por mim quanto por Alfredo. É claro que me entregaria se sequer chegassem a suspeitar dele ou de qualquer outro ser inocente!...

— Sabe... É o que eu mereço...

— O quê? Como pode dizer uma coisa dessas?...

— Minha esposa... Minha falecida esposa. Ela estava tão doente... Sofreu por meses a fio antes de partir. E eu não fiz nada para ajudá-la. Nunca sequer considerei atender ao seu pedido... — ele fez uma pausa a qual não ousei interromper. — Ela queria que eu usasse o gás que uso no meu consultório... pra que ela partisse logo e sem dor...

Eu o encarava sentindo a dor em sua fisionomia golpear cada um de meus sentidos.

— Você não é um assassino!... Nunca se envergonhe disso! — respondi enfim, após um minuto.

Depois disso, ambos retornamos as nossas respectivas casas... Mas, já nos dias seguintes, não paramos de nós encontrar casualmente aqui e ali; marcando passeios de todos os tipos. É claro que todos nos olhavam e, interpretando mal a nossa amizade, nos julgavam. Por razões diferentes, obviamente... Eu era a aproveitadora que não soube esperar o luto de Alfedo passar, enquanto Alfredo, era apenas um esquisito por aparecer publicamente na companhia de uma mulher tão estranha quanto eu... Mas o mais surpreendente era o quanto o novo Alfredo realmente não parecia se importar com nada disso!...

Ah! Já sei como chamá-lo, diário! Não apenas de "maldito" nem de "querido", mas os dois ao mesmo tempo: "querido maldito diário"!... 🦇

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