Capítulo 2- Primeira partida

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A música pausou e o coração de Mina ainda batia forte em seu peito, fazendo seus ouvidos zumbirem em um ritmo descompassado, enquanto ela utilizava de toda a força de seus músculos para manter a posição final da coreografia. A japonesa lançou um olhar inseguro para o espelho do estúdio, observando meticulosamente sua forma, para então, após horas de treino, decidir que estava bom o suficiente para se permitir descansar.

Mina desceu da ponta, soltando um baixo arfar de dor acumulada por horas. Ela pausou, alongando os calcanhares torcendo para que isso ajudasse em algo. Suspirou, sentando-se sobre o chão gelado da sala e desfazendo os laços de sua sapatilha de ponta para finalmente poder tirá-la, assim como sua ponteira. Assim, sorriu em alívio, observando o seu pé esbranquiçado aos poucos ganhar cor, enquanto o sangue voltava a circular normalmente em seus pobres dedos.

Havia algo sobre a dança que era incomparável para Mina, amava o modo como seu corpo deixava se levar pela dança, mesmo que esse fosse tão difícil. Ela adorava deixar de pensar por alguns segundos e permitir que sua memória muscular trabalhasse, principalmente porque podia abrir mão do controle. Também amava a maneira como o balé era justo, apresentando resultado de meses de dor em pés perfeitos e uma variação completamente memorizada por todos os seus músculos. Dentro do estúdio de dança, ela tinha somente ela mesma a superar. Ainda, nutria sua alma com a forma como ela conseguia externalizar todas as suas frustrações com seus passos, como a dança a consumia por inteira até ela ser uma mera escrava, executando o que seu coração coordenava. A dança a completava, a curava. Era seu "chá-de-boldo", capaz de curar a maior enfermidade da alma.

A bailarina guardou seus pertences dentro de sua bolsa e vestiu suas roupas por cima de seu collant e meia-calça. Fitou os pés, um tanto chateada por ter de retornar ao mundo real. Assim, as firmes mãos de Mina empurraram a porta do estúdio, e, imediatamente, teve de segurar um grito ao sentir respingos batendo contra seu corpo. Soltou um resmungo pela chuva inesperada que fora coberta pelo barulho do ventilador dentro do estabelecimento, seguido de um estalar de língua em desaprovação.

Merda. Ela não trouxera um guarda-chuva.

Incrível.

Mina deu de ombros, não havia o que fazer, ela teria de caminhar para casa sob a chuva, e o quão mais rápido ela fosse, mais rápido chegaria em seu lar e poderia tomar um banho quente. Então, em passos largos e rápidos, a japonesa iniciou seu caminho para casa, encolhida, abraçando seu próprio peito, sentindo-se humilhada e incrivelmente má-sortuda.

Não haveria como piorar. Ótimo.

Era tarde da noite, Mina tinha passado a tarde toda treinando para seu número ainda ficar longe de perfeito, e ainda teria de caminhar na chuva. Era um grande e patético soco do universo, só poderia ser, certo?

Após alguns minutos caminhando em passos fortes frustrados, Mina passou a aceitar sua situação, Aos poucos, tomou noção de seus arredores, percebendo o quão fantasmagórico Jeonju estava naquele horário. A bailarina passou a se preocupar com sua segurança, ficando cada vez mais em alerta. Seu coração batia rápido em seu peito, como se sentisse que algo aconteceria.

Risadas altas e longe da mesma se instalaram em seu campo sensorial, fazendo com que todos os seus instintos se ligassem em forma de alerta. Ela continuou a caminhar, apertando o seu passo.

Um grupo de homens em seus 30 anos estava brincando com latões de lixo de casas, chutando-os sem parar, e derrubando tudo que estes continham nos quintais da frente das moradias inocentes, imaculadas de qualquer maldade. Suas risadas faziam-se estridentes, e Mina podia ver no canto de seu olho seus corpos balançando feito bonecos de massinha. Com certeza estavam bêbados, ou pior.

HOPE NOT - MICHAENGOnde histórias criam vida. Descubra agora