Liberdade

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Kelvin não teve uma vida fácil, e ninguém sabia exatamente o quão longe o cantor estava de casa, mas todos sabiam o motivo que o fez deixar sua antiga vida.

Não é tão difícil ligar os pontos, não quando se trata de um homem gay que apareceu no interior do Mato Grosso do Sul de carona numa noite chuvosa, implorando seu primo distante por abrigo.

Existiam coisas sobre Kelvin que ninguém sabia. Existe um Kelvin que ninguém conhece, coisas sobre ele que morreram junto com Cândida, coisas sobre ele que ficaram em sua cidade natal. Por exemplo, Kelvin Santana na verdade é Kelvin B. Santana, embora ele tivesse removido o sobrenome materno e nunca se afeiçoou a vida que vinha de brinde com ele, seu RG ainda constava algumas as informações que ele lutava tanto pra esconder. Nascido em Minas Gerais, vinte e seis anos de idade, Kelvin é o filho do meio de uma família extremamente conservadora, rica e religiosa, ou era, até ter sido desprezado e expulso com a clara afirmação de "Você não é mais dessa família!" Vindo de sua própria genitora.

É sempre um choque quando o prodígio da família é pego dando beijos em outro rapaz, não?

No fim é sempre isso que importa.
As notas altas, o comportamento exemplar, cantar no coral da igreja...

Nada disso era válido. Nenhum dos tantos cursos extra curriculares que ele fez deu a ele entendimento o suficiente sobre o mundo, ou nesse caso, sobre o que havia de errado com o mundo.
Ele sempre amou cantar na igreja.
Sempre foi o melhor aluno da sala, nunca deu motivos para que seus pais o tratassem assim, nunca até aquela noite.

Sua mãe já estava farta, ele se deu conta depois de muito tempo.
Ele terminou o ensino médio com louvores, foi o orador da turma, um aluno excelente e cheio de amizades... Mas na escola já corriam comentários sobre o quão diferente ele era. Sua mãe então ignorou os boatos, pois em sua mente fechada era comum que o rapaz tivesse trejeitos afeminados, pois crescera  mais próximo de suas duas irmãs. Era nisso que ela gostava de acreditar, que Kelvin apenas copiava o que as irmãs faziam.

Funcionou bem por um tempo, até ele decidir entrar na faculdade. Aí tudo deu errado. Kelvin queria lecionar, parecia ser óbvio que inteligencia e determinação pra isso não o faltava, e era uma profissão honrosa, a familia estava orgulhosa e nada poderia dar errado... Até que deu.

Na faculdade, Kelvin conheceu pessoas livres. Conheceu homens exatamente iguais a ele, que no auge de seus dezoito anos já sabia bem do que gostava, ou melhor, do que não gostava. E foi assim que ele conseguiu seu primeiro e até então único namorado.

Benjamin vinha de um mundo diferente do dele, e ao mesmo tempo eles eram totalmente iguais. Ben acreditava piamente num mundo oposto de tudo que Kelvin vira até então, mesmo sendo tão escondido quanto ele, mesmo que ainda fingisse ser algo que não era, Ben era diferente, era carinhoso, doce. A visão que Benjamin tinha da igreja e de deus era tão diferente da que Kelvin cresceu vendo, que muitas vezes o loiro se perguntava se eles realmente falavam do mesmo deus.

Benjamin cursava administração, herdaria os negócios do pai e precisava estar preparado.

Kelvin tinha certeza até então que seria um professor excelente.

Numa fatídica noite, quando Kelvin deu a desculpa de fazer um trabalho em grupo na casa de um amigo para encontrar seu amado, alguma coisa dentro dele avisou que seria a última vez. O carro de Ben parou na frente do casarão, o mais velho se inclinou para beijá-lo e Kelvin cedeu, como todas as vezes que ele cedia desde a primeira vez que bateu os olhos em Benjamin.

E então, ele saiu do carro vermelho, bateu a porta, deu tchauzinho mais uma vez para seu amor, que o respondeu com um sorridente "Te vejo amanhã", e aí... Ele se virou em direção ao portão, dando de cara com a mulher que lhe deu a vida, e fazia questão de lembrar ele disso.

Sweet HomeOnde histórias criam vida. Descubra agora