Loucura

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Sentia todas as fibras de seu corpo sendo rasgadas, seu coração sendo pisoteado, sua alma sendo dilacerada.
Seu corpo era cheio de cicatrizes, de marcas, de dor. Sabia lidar com aquilo, sabia lidar com a dor física, preferia mil vezes que seu corpo se desfizesse, mas não saberia lidar com uma perda outra vez.

Quando seu pai morreu, Ramiro morreu junto, grande parte dele foi enterrada ali, e nem presente ele estava.

Depois disso, Ramiro vivia pela metade, uma metade fria e sem coração que só não fazia a mesma coisa que seu pai fez porque precisava sustentar a mãe, e ele sofreu tanto, doeu tanto. Tirou vidas pra agradar alguém que jamais veria ele como algo além de um jumento, ficou com fome tendo a certeza que sua mãezinha estaria comendo, ficou doente sozinho sabendo que ela estaria com saúde, e chorou sozinho todas as vezes que tinha pesadelos. Ele não tinha alguém pra o acolher, pra o cuidar, não até Kelvin.

E depois de tantos anos, tanto tempo, ele conseguiu encontrar em si uma pontinha de um sentimento bom, uma sementinha que floresceu em seu coração toda vez que seus olhos cruzavam com os do loiro.

Amar é um jogo arriscado, jogo qual ele se via imúne, pois nunca em sua vida havia amado verdadeiramente alguém que não fosse seus pais. E ainda assim, com todas suas barreiras, todas suas armas, por trás daquela fachada tão bruta, ainda tinha amor, e ele caiu.
Caiu como uma criança atrevida se joga numa piscina de bolinhas, caiu como uma tempestade torrencial numa terra de verão, caiu como as folhas alaranjadas caem de suas árvores no outono.

Sem medo, intenso, devagar.

Ramiro nunca teve medo do amor, tinha medo de amar, tinha medo de ser amado. Mas o amor, ah, como poderia ter medo do amor? O amor que o deu uma florzinha amarela no momento onde ele estava mais exposto e fraco até então. O amor, que cantava tão lindamente em cima do palco, o amor que o olhava com aqueles olhos cor de mel e sempre trazia consigo aquele sorriso mais brilhante que o sol.
O amor, lindo, forte, inteligente e corajoso. O amor.

O amor o pegou de uma só vez, e quando seus lábios beijaram o amor pela primeira vez, não deu pra voltar, pra desfazer, pra escapar.
E Ramiro nunca mais voltou a ser morto, até aquele momento. A luz de sua vida estava morrendo em algum lugar do mundo e ele sentia, seu maior problema era sentir.

Antes de Kelvin, ele tinha se escudado disso, de sentir as coisas com o coração. Kelvin trouxe ele de volta á vida, e agora, ele morria lentamente, com muita dor.
Se sentia impotente, mas se sentia culpado mais que tudo.
Diversas vezes ele prometeu que nada aconteceria com Kelvin, e agora, ele falhou.

Sua dor era tanta que os céus decidiram por bem acompanhá-lo em sua tristeza, ambos choravam, gritavam trovões e tremiam árvores com sua fúria.

Do lado de dentro do quarto na pousada, Ramiro estava encolhido num canto, nas mãos segurava a carteira de Kelvin, fitando o documento do loiro pois temia ficar distante dele e esquecer de sua face, fechava os olhos e memorizava cada traço do sorriso de seu amor, respirava fundo e ainda sentia o perfume doce em suas roupas, se se concentrasse o suficiente, conseguia até mesmo sentir o toque delicado do menor em sua barba. Como sentia falta disso.

Não voltou pro Naitandei, seria incapaz de fazê-lo, não conseguiria encarar ninguém do bar nos olhos enquanto não trouxesse Kelvin de volta.

Na verdade, Ramiro sabia bem onde queria estar, fazendo o que, e com quem. Em breve, ah, muito em breve, ele estaria fazendo o que deveria ser feito pra conseguir seu amor de volta, custe o que custar.

Por enquanto, ele ficava ali, chorando baixinho, em seu dedo mindinho o anel que há algumas horas tinha dado como mostra do dedo de seu Kevin, tudo passava em sua cabeça como um filme, suas mãos tremiam, seu corpo todinho doía e ele desejava somente acordar desse pesadelo. Quando abrisse os olhos, queria ver o rosto de seu pequetito, sentir o calor dele, a maciez de sua pele.

Sweet HomeOnde histórias criam vida. Descubra agora