Aceitação

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"Mai por causa de que ocê num contô pra mãe qui ta namorando cum o Kevinho?"

Mesmo nascida e criada na roça, sem acesso a escola e tendo trabalhado a maior parte da vida, existe um tipo de sabedoria que somente a experiência de uma vida longa é capaz de entregar, e no caso de Lena, essa sabedoria veio em si quando foi agraciada pela maternidade. Hoje em dia olha pra trás e entende que teve Ramiro muito nova, que sua vida não estava nem perto de estabilizada para uma responsabilidade tão grande, e ela tinha acabado de se casar... Mas nada disso parecia importar tanto quando ela segurou nos braços aquele bebê tão gordinho e chorão.

Ramiro sempre foi e sempre vai ser a melhor coisa da vida dela, não importa quanto trabalho ele tenha dado, quantas vezes ela tenha passado noites em claro tentando abaixar febre, quantas vezes o vizinho veio reclamar que Ramiro estava roubando frutas de seu pomar ou tinha batido no filho dele... Ela faria tudo outra vez, e agora acredita que teria feito melhor.

Ela teria dado mais liberdade para seu filho sentir medo, teria dado ainda mais carinho, não o teria entregado para Antonio.

Teria feito o menino permanecer na escola, teria explicado para ele coisas sobre o mundo que até hoje ela não entende bem. Teria deixado ele menos tempo sozinho, menos tempo com pessoas que colocaram na cabeça dele idéias erradas sobre o amor.

Ela soube que seu filho estava apaixonado no momento em que o viu encarando um certo loiro do bar.

Não dava pra negar, e ela não entendia porquê seu menino o fazia.

Nunca em toda sua vida ela pensou que Ramiro fosse sair das garras da família La Selva, sabia bem da dependência que ele possuía com eles, e a machucava, sentia-se culpada até, se ela não tivesse certos problemas de saúde, seu único filho não estaria preso numa vida tão ruim para simplesmente sustentá-la.

Mas agora tudo era diferente, finalmente conseguiu vencer a batalha contra a justiça e era dona de seu próprio chão, estava prestes a conseguir a pensão do falecido marido que por anos demais foi trabalhador rural, e com seu sustento garantido e tinha até um namorado... Foi para a cidade pra matar a saudade do filho, e de quebra, iria libertar Ramiro de um fardo que ela nem sequer sabia que havia posto nele.
Para sua surpresa, quando chegou a Nova Primavera... Seu filho já estava livre.

"Mãe... Quem qui contô isso pra sinhora meu deus?? Mato Grosso do céu, num é nada disso qui a sinhora tá pensano... É, é o qui a sinhorapensano mai -- virge santíssima, ter um treco..."  Definitivamente não era isso que ele esperava quando sua mãezinha o chamou pra almoçar.

Ele não tem tido um segundo de paz, misericórdia.

Primeiro a mãe dele chega de surpresa na cidade, prossegue em se divertir normalmente no Naitandei como se ela não fosse uma santa, depois ela o chama pra conversar e diz que não vai mais precisar do dinheiro dele, e aí ele chega de volta no bar e pega o tal frango tentando beijar seu namorado, surta e coloca uma faca no pescoço dele, aí Kelvin briga com ele, ele dorme no chão e fica recebendo gelo a manhã toda, e quando pensa que vai ter uma distração de todos esses problemas, sua mãezinha joga mais essa nele.

Mato Grosso do céu.

Sabe o pior? A mãe dele está o mais plena impossível, bebericando de seu suco de laranja e o encarando da mesma maneira que fazia quando descobria que ele tava roubando manga do seu Zé.

Ela não ria, mas também não parecia que ia brigar com ele, ela o olhava com aqueles olhos enormes, esperando dele uma explicação, mas sua face era ilegível, era impossível pra ele saber o que ela pensava.
Não parecia decepcionada, o que ele pensava ser bom, mas também não parecia estar alegre e saltitante.

Sweet HomeOnde histórias criam vida. Descubra agora