Tentação, Punição

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Lindo.

Tantos anos, e aquela foi a primeira vez que Ramiro se sentiu assim, mas agora estava cercado pelo espelho, de todos os lados, todos os ângulos, tudo que Ramiro conseguia ver era a si mesmo.

Ele nunca se importou com a própria aparência, da mesma maneira que não coloca reparo em como as outras pessoas são, pra ele a vida tinha um rumo diferente desse, sua vida era terra, lida, plantação, morte.

Assumidamente, a primeira pessoa que ele olhou e viu beleza real, foi Kelvin, que com sua maquiagem chamativa, salto e brilho, ofuscou qualquer outro conceito de perfeição que ele fosse ter um dia. Kelvin virou pra ele o parâmetro, o pináculo da beleza.

Mas, ele nunca foi cego.

Entende o que outras pessoas consideram como bonito, agradável aos olhos, e embora não tivesse exatamente o mesmo gosto, entendia, e por mais que seu coração ciumento pegasse fogo, ele entende exatamente o que Kelvin tem de tão atraente.

Os cabelos loiros, os olhos enormes, brilhantes.

A pele branquinha.

Os lábios carnudos, o sorriso. O corpo.

Kelvin tinha tudo que qualquer pessoa que enxergasse consideraria inquestionávelmente belo.

E ele, nunca tinha dado a si os mesmos olhos, pelo menos não até aquele dia. Estava mais uma vez em Florbela, numa loja que seu mais novo amigo Eduardo havia recomendado, loja esta que era gerenciada pelo irmão de Edu. Ramiro estava num provador enorme, gigantesco, totalmente espelhado, vendo cada pedacinho de seu corpo refletido, sem camisa, sem calças, apenas uma boxer preta.

A intenção era experimentar a roupa que haviam separado pra ele, um lindo conjunto branco. Havia escolhido fazer essa parte sozinho, precisava desse tempo consigo mesmo, precisava se ver.

E agora, fazia mais do que se ver, ele se enxergava.

Dos pés a cabeça, Ramiro tinha marcas, partes de si onde pontos foram dados, cortes, pancadas.
Sua pele, que já foi nomeada de tantos tons, carregava uma história, uma que agora pela primeira vez Ramiro se orgulha.

Ser moreno é bem mais fácil do que ser preto, e ele o fez por mais tempo do que gosta de admitir, assim, Ramiro demorou para se dar conta de sua negritude, ou para ao menos entender o valor de sua melanina, de seus cachos, de seu nariz, seus lábios.

Na escola, viu homens que se pareciam demais com ele e seus parentes, amarrados, escravizados, vendidos. E também na escola, viu homens iguaizinhos a ele que foram grandes, enormes, descobriram coisas importantes, fizeram grandes obras.
E agora, se vendo como tudo que é, tudo que foi, nem Ramiro, nem ninguém deve deixar o tirarem de si.

Filhos de reis e rainhas, foi o que Luana disse. Da realeza, herdeiros de terras ricas, do ouro, de pedras preciosas, de fartura.

E ali, tendo seu corpo e alma refletido no espelho do provador, Ramiro tem mais do que consciência do que é, ele tem orgulho.

É um homem quase formado na escola, preto, filho de pretos, neto de pretos, trabalhador da terra, filho de um igual, que aprendeu com seu pai e este com seu pai.

Ramiro é um homem gay, noivo de outro homem gay.

Trabalha desde criança, foi maltratado, agredido, abusado.

Ramiro levou a vida de muita gente, tinha sangue nas mãos e isso não é algo que se muda com facilidade, mas ele havia prometido para todos os santos e também para si mesmo que a última vez em que matou seria realmente, a última vez.

Sweet HomeOnde histórias criam vida. Descubra agora