I 1.1 Palacianos, 1138

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Palacianos, 1138 - Cinco anos após a queda da Torre do Arzhel

Só mais uma e ele estaria livre.

Só mais uma e poderia seguir para o seu tormento.

Seria neste ano? Finalmente, ela o libertaria?

Era o que ele queria, afinal?

Ou preferia continuar como estava, na dúvida eterna que o fazia dormir com a chama da esperança no peito?

O ritmo da música mudou, anunciando que o baile entrava na fase final. Uma valsa começava a tocar, e ele conhecia os seus deveres de cor.

Era esperado que dançasse com a mesma mulher com quem tinha aberto aquele baile.

Ela também conhecia os costumes e o aguardava, apesar das feições ressentidas. Mesmo do outro lado do salão, Noa já podia sentir o rancor cultivado durante anos.

Ele estendeu a mão, e Adaeze Afia flutuou até ele, envolta por um vestido de veludo negro quente demais para Palacianos.

Ela parecia determinada a sempre destoar da corte palaciana. Quanto mais nortenha fosse, melhor.

Noa pegou a mão dela na sua, já acostumado com a sensação dos dedos compridos contra os seus. Ela passou a outra mão pelo seu ombro.

– Meu Kral – ela o cumprimentou, curvando-se como sempre fazia.

Noa sentiu o maxilar trincar, mas forçou-se a responder com a mesma cordialidade: – Kraliça.

– Vejo que já bebeu o Nono – acusou. Era sempre assim com ela. Cobranças e acusações. Por que não deixava que vivesse seu luto na paz de Amadam?

Beberei o Décimo nos meus aposentos, após essa valsa.

Adaeze sorriu para a plateia que os admirava. Uma gota de suor escorreu pela nuca esguia, que ficava bem na altura do seu nariz.

Sua memória brincou com a lembrança de como, há muitos anos, havia dançado em um baile com uma jovem cuja nuca batia no seu peito. Alguns diriam que ela não estava à altura dele, mas ele discordava. Agora, essa discussão não importava mais.

– Gostaria que ficasse – declarou Adaeze.

– Estamos no Dia de Amadum.

– Há outras formas de celebrar a deusa da morte.

– Dançar valsa não é uma delas.

– Eu sei, mas... Não se pode viver no passado, Meu Kral.

– O dia de hoje não é sobre futuro.

Os mortos não têm futuro.

Não, o Dia de Amadum no mês de Amadum era somente sobre a morte. E, este seria o último antes que ele cumprisse a sua promessa.

Tentava não ter esperança, não queria ansiar por um vislumbre do impossível, mas era sempre assim... Quanto mais a data se aproximava, mais ele se via imaginando, ansioso como um tolo, criando diálogos na sua cabeça.

Imaginava como ela apareceria, se usaria algo especial para ele. O vestido verde que ele lhe dera, talvez? A camisola de criada que esquentara as noites em Adij Rariff? Ou um dos vestidos brancos que sempre usava?

Portaria a coroa dos ancestrais? Ou traria os cabelos soltos e rebeldes como quem acaba de correr a cavalo pela praia?

Falaria ou apenas se deixaria ver?

Cantaria?

E, se ele se aproximasse, dançaria com ele? Ou somente para ele?

A valsa o obrigou a rodopiar mais do que seria aconselhável para alguém que já tinha bebido nove doses de Licor de Amadum. Noa, no entanto, não se sentiu enjoado. Estava acostumado, já há alguns anos, a ter uma constante sensação de estômago embrulhado que só se apaziguava com uma dose mais forte de malte.

O Portal IV - Fios de Alim - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora