I 1.4 - Eric

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Bryanna espetou o dedo na longa agulha que usava para terminar o bordado escondido na manga de lã. A gota de sangue grosso e vermelho escorreu pelo dedo até que ela o chupou, sentindo o gosto metálico contra a sua boca. Depois, apertou o ferimento contra o vestido rubro, de cor tão similar ao próprio sangue que nem ficaria manchado. Mas, antes mesmo que o dedo encostasse no tecido, já estava curado.

Testou novamente a leveza da agulha na mão experiente, finalizando o pequeno coração de Ayman na manga grossa, que o protegeria em mais um inverno gelado em Hiwot.

Ela alisou o suéter, satisfeita. Era de um azul marinho, bem escuro, e contrastaria com os cabelos loiros. Além disso, azul era a cor de Adij Rariff e, por algum motivo que ela não compreendia muito bem, não gostava de vesti-lo nas cores dos Afia.

Vermelho e branco ornamentavam a maioria dos seus vestidos atualmente, mas sempre que Eric usava esses tons, ela imediatamente se sentia culpada. Preferia, então, cobri-lo com as cores da família que ele mal conhecia, apesar da decisão fazer com que ele se destacasse ainda mais entre as crianças de Hiwot.

Há muitos anos, ela não se considerava mais inocente. Poderia não ser perspicaz ou se gabar de ler outras pessoas ou situações com clareza, mas, depois de tantas decepções na vida, conseguia ver a malícia presente em falas e ações, mesmo quando estavam mascaradas por palavras bonitas e gestos delicados.

Ela e Eric eram aceitos, bajulados e até mesmo celebrados por onde passavam, mas estavam longe de serem queridos.

A aceitação vinha da influência de Emeka e, quanto mais esta enfraquecia, mais frágil ficava a sua posição.

Bryanna sabia que não poderia estender a confiança dele por mais um ano. A Cerimônia se aproximava. Seria a terceira desde que Emeka Afia declarara seus sentimentos em relação a ela. Na primeira, ela confessara que ainda não estava pronta. Eric era apenas um bebê, ainda mamava, e ela não conseguia nem imaginar como seria dividir a sua intimidade com um homem.

Na segunda, ela hesitara. O luto ainda era presente como um ferimento em carne viva que, a qualquer esbarrão, poderia arder a ponto de encher seus olhos de lágrimas. Perdera amigos tão próximos quanto irmãos e, desde então, vivia com Serena em Adij Rariff, sendo uma aliada e uma companhia no recomeço de sua vida. No entanto, Serena não tinha somente a ela. E Bryanna começava a sentir que não era mais tão necessária.

Havia outro motivo que a prendia a Adij Rariff: o pai de Eric.

Há anos, Liam Ace Roparzh era uma pessoa perdida em um corpo inconsciente. Ela se sentava ao seu lado e pegava na sua mão e, mesmo que concentrasse todos os seus esforços, nada acontecia. Bryanna parecia incapaz de curá-lo.

Ele não abria os olhos, nem se mexia, nem emitia qualquer som que denunciasse que o homem que ela conhecera ainda resistia ali dentro.

Mesmo assim, ela levava Eric para vê-lo.

E ele se deitava ao lado de Liam.

Naqueles momentos, ela fechava os olhos e imaginava que tudo tinha acontecido de forma diferente. Recitava para si mesma devaneios absurdos, permitindo-se aqueles momentos de insanidade.

Liam nunca me largou.

O amor que sentia por mim era tudo o que eu sempre sonhei.

Quando engravidei, ele chorou de felicidade.

Noa Rariff aprovou e apoiou as intenções de Liam de se casar comigo.

E, agora, somos uma família.

Felizes.

Só nós três.

Ela fechava os olhos, passava as mãos pelos cabelos de Eric, tão iguais aos do pai, e se deitava no peito de Liam. E ali estava a única reação que conseguia tirar dele: aquele som constante, mesmo que fraco, de um coração que batia contra todas as adversidades.

O Portal IV - Fios de Alim - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora