I 1.5 Culpa

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Noa retornou para o Palácio com a cabeça quente, tanto pelos raios de Amandeep, quanto pelas revelações do velho. Após proferir as palavras enigmáticas de Merab, o velho começara a sua lenta caminhada rumo à nova cidade dos filhos de Babakur. Noa pensara em perguntar sobre aquilo, mas estava mais preocupado em recitar os versos diversas vezes na cabeça para que pudesse gravá-los. Assim que entrou no Palácio, encontrou o escritório ao lado da entrada e rabiscou as palavras que esperaram tantos anos para serem ouvidas por ele.

A raiva era dele.

Disso, ele não tinha dúvidas.

Ele era o homem que queimaria o ninho.

Mas que ninho era esse?

As andanças dos filhos de Babakur não eram secretas.

Desde a batalha, Noa estivera alerta para qualquer informação ou mudança no comportamento dos filhos. Apesar da guerra ter terminado, ele não confiava naqueles que restaram.

Todos concordavam, no entanto, que não havia sobreviventes entre aqueles que estavam na Torre do Arzhel no momento da queda. Apesar das buscas pelos corpos terem sido em vão, a queda era alta demais e a destruição da torre havia sido completa. E eram muitas as testemunhas que afirmavam que Yan e Ariel Gwenaël estavam no alto da torre.

Mas, se os filhos estivessem construindo uma cidade, quem seria o novo líder?

Após a batalha, os filhos haviam se dispersado pelas matas de Palacianos. Os espiões de Noa acompanhavam as lideranças das tribos e nenhuma era relevante. No entanto, os filhos haviam conseguido se articular para libertar aqueles que eram prisioneiros de batalha.

Porém, nem todos os prisioneiros haviam fugido.

Na mais bem-guardada das celas, Noa havia aprisionado o mais jovem de todos, um haya com um olho esbranquiçado e a audácia de lutar contra a sua rani.

Ele só não o enforcara a pedido de Christine, que intercedera por aqueles do seu povo. Depois da fuga dos prisioneiros, ela o procurara e pedira perdão. A cabeça do jovem quase pagou pela fuga dos irmãos, mas, no dia em que deveria seguir com a sentença, Noa havia acordado sentindo-se tão fraco, tão enjoado e, apesar da temperatura, com tanto frio que quase não tivera forças para deixar a cama.

Aos poucos, a raiva que sentia foi se tornando cinzas e, quando chegou o meio do dia, não tinha mais vontade de tirar uma vida tão jovem.

Saindo do escritório, Noa mandou que chamassem Ker Elijah. Depois, subiu para seus aposentos, indo diretamente para a sacada. A visita da graúna na noite anterior havia sido o contato mais intenso que tivera com a ave ancestral. E, apesar das lembranças confusas pelo Décimo, tinha certeza de que ela o enfrentara, incitando-o, como diziam os versos de Merab. E, depois, Noa acompanhara o voo rasante que ela dera pela mata...

O ancião não mentira. A ave saíra do Palácio, dera o sinal ao velho, e seguira viagem.

O que aquilo significava?

A vontade de Noa era ordenar mais uma busca nos destroços da Torre do Arzhel, mas sabia como aquilo seria encarado pelos seus conselheiros. Ninguém acreditava em sobreviventes, já havia passado da hora do kral encarar a realidade. Estava a um passo de ser considerado um soberano insano.

No entanto, um dos versos de Merab não saía da sua cabeça.

"Acorrentada e acossada, a morte lhe foi negada, assustada e esquecida, uma vida desconhecida."

Ele sentia a esperança espreitando lentamente, causando formigamentos nas pontas dos seus dedos. Era tudo o que ele não precisava naquele momento. Afinal, este era o ano da Cerimônia, o ano em que ele prometera a Hannah que seguiria em frente.

O Portal IV - Fios de Alim - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora