Era mais um dia nublado em Adij Rariff. A luz que entrava pelas frestas da biblioteca do templo era fraca e, mesmo àquela hora da manhã, ele precisou acender velas. Toda vez que o fazia, pensava que gostaria de ser como os outros. Um sopro em uma das mãos e pronto, fazia-se a luz.
Mas ele era comum, ordinário.
Não podia oferecer segurança, nem impressionar a todos com contos de feitos de batalha. Não podia conjurar um animal, nem que fosse uma pequena mosca para voar pelos ares e bisbilhotar conversas, nem poderia lançar sua visão ao passado, muito menos ao futuro.
Os deuses sabem que, em momentos de desespero, ele desejara imensamente aquilo.
Ser alguém especial, alguém que pudesse fazer mais do que um homem manco e fraco.
Mas ele não era.
E, por isso, a ele, restavam os livros.
Todos os dias, Joshua Blake subia até a biblioteca do templo e se enfurnava ali, rodeado de registros antigos. Se queria ser um bom regente para Adij Rariff, precisava ao menos recuperar os longos anos de ignorância em que Ür mantivera a nobreza. Nos últimos cinco anos, ele estudara como ninguém. Repassara seu conhecimento para Noa, resgatara parte da cultura dos clãs que havia sido perdida.
Seguindo ordens de Blake, nobres fizeram buscas em suas casas por livros perdidos ou até mesmo escondidos. Guardas sob seus comandos reviraram ruínas de templos destruídos e encontraram pedaços da história rasgados ou queimados.
Tudo era levado para o regente e Joshua se debruçava sobre cada peça daquele quebra-cabeça.
Ninguém sabia o que ele buscava, à exceção de Rael, seu companheiro fiel de manhãs perdidas na biblioteca, espirrando lufada após lufada por causa da poeira que saía das páginas encardidas.
Há cinco anos, após a queda da Torre do Arzhel, Blake descobrira uma nova força dentro de si. Ele não tinha poder algum, porém era o único que conseguia ao menos falar com Noa Rariff. Fora ele quem obrigara o bom senso a retornar àquela mente perdida no luto. Fora ele quem dissera que não, os corpos não seriam encontrados, mas que sim, não passariam de corpos.
Amadum fizera seu voo e levara Hannah.
Joshua Blake não podia hesitar, nem fraquejar. Noa Rariff era seu melhor amigo e precisava dele. E o Raj e o Kral precisava se reerguer.
Além de Noa Rariff, havia outra pessoa que não saía de seus pensamentos e, assim que Noa foi capaz de sair do quarto e encarar seus súditos, Joshua voltara para Adij Rariff.
Ele a encontrara de pé, diante de um povo que não era dela, cumprindo uma responsabilidade que, jamais, imaginou que seria sua.
Mesmo assim, sentava-se no trono do Arzhel todos os dias e ouvia lamentações que não eram nem um pouco justas.
Postado ali, atrás do trono, ele tinha vontade de gritar com a multidão.
Vocês não vêem que ela usa o negro?!
Vocês não vêem que está grávida e infeliz?!
Mas os suplicantes não passavam de covardes que só conseguiam olhar para o próprio umbigo.
Serena estava exausta, pálida, esquálida, apesar da barriga que teimava em crescer.
Nove meses se passaram até que ele conseguisse ver um sorriso no seu rosto.
E, neste dia, Joshua soube que faria de tudo para mantê-lo ali.
Continuou ao seu lado, dia após dia. Não esperava nada em troca, sabia o quanto Serena sofria pela falta de Damien. Sabia o quanto a morte de Hannah pesava em seus ombros. Ela se culpava tanto que ele temia o que poderia ter acontecido se não tivesse engravidado. A filha de Damien salvara a vida da mulher que ele amava e, por isso, ele seria eternamente grato a ele.
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O Portal IV - Fios de Alim - Degustação
FantasyLANÇAMENTO EM 21 DE OUTUBRO DE 2024 NA AMAZON Cinco anos se passaram desde que a terra se abriu e, no lugar da Torre do Arzhel, não sobrou nada além de cinzas e uma fenda de morte, o Abismo da Rani. Noa Rariff é Raj e Kral, dois soberanos em um, mas...