II 2.2 Bahadum

139 31 44
                                    

Depois de tantas reuniões e uma noite mal-dormida, o dia havia sido longo demais. Serena ansiava por se deitar na cama e deixou o Conselho rumo à Ala do Kral. Joshua ficou para trás, discutindo questões políticas com nobres locais. Em seguida, ele se reuniria com senhores donos das maiores plantações de Adij Rariff. Apesar da boa gestão de Noa, que se reuniu com agricultores locais e providenciou incentivos para o plantio em zonas pouco aproveitadas, Adij Alim ainda sofria com a escassez de alimentos. O solo de Palacianos nunca mais se recuperou.

Desde que Noa assumira os tronos, Sloan Blake comandava uma comissão de especialistas, agricultores e donos de terras que tentavam descobrir novas formas de cultivar os grãos e contornar a seca.

Apesar desses esforços, a falta das inscrições dos Maël gerava um abismo de fome em Adij Alim. No último Conselho, Serena e Joshua articularam mais um aumento de impostos. Os nobres pagariam mais para que o Kral pudesse incrementar a cesta de alimentos que as famílias mais necessitadas recebiam.

No entanto, Serena sentia que não era suficiente. Adij Alim não comportava tantas pessoas e aquelas terras só tinham sido tão populosas porque, durante anos e anos, os solos eram férteis – graças aos Maël.

Todos os clãs sofriam e Serena sentia-se cada vez mais culpada.

Naquela manhã, mesmo com o enjôo da terceira gravidez, ela saiu à cavalo e pediu aos guardas que a escoltassem até as regiões mais carentes de recursos. Serena fazia questão de ver de perto os mais necessitados, mas também era uma ordem de Noa Rariff: ela e Joshua Blake eram os regentes de Adij Rariff enquanto Noa estivesse longe e, por isso, deveriam ser conhecidos e reconhecidos naquelas terras.

Há cinco anos, quando ela assumira o trono, o fizera sem, ao menos, a autorização de Noa. A morte de Enzo Yezekael, o regente destacado na época, ainda fazia o cérebro de Serena trabalhar. Ela tinha um caderno inteiro dedicado àquele episódio, onde havia reunido todas as informações sobre o envenenamento.

Enzo Yezekael fora morto um dia antes da batalha.

Ele mesmo se intoxicara ao abrir uma carta vazia, contendo o pó mortal.

A planta que era a base do veneno crescia ao Sul de Palacianos, e Leila insistia que apenas mãos experientes seriam capazes de fazer um veneno tão potente, já que a planta era extremamente rara e o veneno era de difícil extração.

A morte de Enzo foi um divisor de águas para a Ilha: levou Serena ao trono de Adij Rariff, enquanto foi um baque tão grande para o Qayid que contribuiu para que quisesse abandonar a liderança. 

Na época, a ascensão ao trono, mesmo que como regente, era impensável para Serena. E, poucos dias depois, ela se viu tendo que encarar um desafio ainda maior: não apenas estava no trono e o povo de Adij Rariff dependia de sua liderança, como ela era uma viúva, uma mulher enlutada.

Por dias, Raoul Yezekael, que vivia o próprio luto pela perda do irmão, tinha sido o responsável por tirá-la da cama e fazer com que se apresentasse diante da corte nortenha. A autorização de Noa Rariff ainda nem chegara, mas ela já era o elo que unia os nobres à batalha em Palacianos.

Apesar da insistência do Qayid de que esse era o papel de Serena naquele momento, de que aquilo estava desenhado há anos por Alim, ela não queria comparecer.

Que se danasse o povo de Adij Rariff!
Que se danasse a coroa nortenha!

Ela havia perdido Damien.

Ela havia perdido Hannah.

Ela havia perdido.

Porque, ao contrário dos outros que sofriam, ela tinha culpa.

O Portal IV - Fios de Alim - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora