C'est la vie

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Eu tinha dito que me aposentaria daqui, mas como parece que a internet em Paris não carrega fotos, vê se pode uma coisa dessas?!

 ¯\_(ツ)_/¯

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A brisa era suave e fria, não muito diferente de sua cidade natal. Tinha os olhos fechados e um pequeno sorriso no rosto, debruçada sobre o parapeito da sacada, todo trabalhado com medalhões, flores e escudos, herança das Belas Artes, estilo parisiense que se originou na École des Beaux Art, na arquitetura da cidade. Escolheu aquele hotel justamente pelas sacadas conjugadas ao quarto de casal, numa rua perfumada por chocolaterias, floriculturas, cafés e livrarias.

Devido ao inverno, o sol se punha mais cedo na cidade luz, por volta das 17 horas. Calculava ainda uns 20 minutos, meia hora, no máximo, de luminosidade. Tinha se levantado há pouco da cama, seu corpo estava coberto apenas por um robe de cetim rosa pêssego, gostava daquela sensação de leveza em sua pele. Os cabelos tinham sido arrumados enquanto ela caminhava até ali, apenas brevemente.

De onde estava, no oitavo andar, o último daquela construção, ouvia perfeitamente os sons da cidade, os tantos sotaques, os risos, as conversas em idiomas que não compreendia, a respiração ritmada do homem adormecido em sua cama. Se tivesse que traduzir tudo o que ouvia, ela diria que era a vida. Era como João Cabral de Melo Neto havia escrito em Morte e vida severina: "E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco, em nova vida explodida."

E era mesmo uma nova vida explodida aquela, no riso solto de sua filha brincando com seus "irmãos emprestados" no parque ao redor da Torre Eiffel, que tinham ido visitar naquela manhã e onde almoçaram, no restaurante suspenso; no carinho quase discreto no lado de seu corpo que abrigava uma de suas tatuagens; no beijo trocado sem receio de ofensas ou julgamentos; no pulsar rítmico de seu coração por baixo da cicatriz em seu peito; na cor de âmbar em seus olhos que filtravam aquela luz exata do entardecer. Feliz e plena era como descreveria a si mesma, se alguém a perguntasse.

O sorriso em seu rosto cresceu quando aquele par de mãos que a conhecia tão bem pousou em sua cintura, aconchegando seus quereres e desejos. Sentiu o cheiro demorado em seus cabelos, o nariz descendo até seu pescoço, os dedos apertando mais firmemente seu corpo enquanto ela se recostava, buscando o calor no peito dele, aproveitando as carícias com a languidez ainda presente em seus poros do amor consumado ao retornarem do primeiro passeio daquele dia. Percebeu apenas o tecido da calça de moletom cobrindo o corpo que era tão maior que o dela e, ainda assim, encaixavam-se perfeitamente.

- Acordar e ver você assim, beijada inteira por esse sol, é das visões mais lindas que existem nesse mundo, estrelinha... – falou baixo, ainda rouco de sono, enquanto distribuía beijos pelos ombros dela, sobre o tecido macio. Sentiu o riso e o leve tremor no corpo menor, seguido do arrepio que sabia muito bem como provocar.

- Bem... – a voz saiu mais dengosa do que ela pretendia, mas não se importou, estava em casa naquele espaço onde cabia inteira, entre os braços dele entrelaçados e o peito onde gostava de dormir.

Gleisi Hoffmann virou seu corpo no abraço de Lindbergh Farias, ficando de frente para ele, encontrando o sorriso que a tinha encantado desde o início, quando se conheceram. Não tinha pressa, não precisava ter. Sorriu também e seus olhos ficaram pequenos, como se a felicidade precisasse de mais espaço nela. Desenhava os contornos do rosto dele com as pontas dos dedos enquanto seus olhos namoravam.

- Conseguiu descansar um pouquinho, meu amor? – segurou a mão esquerda dela, onde estava a aliança, e deixou um beijo demorado na palma.

Ela o contemplava por um instante mais longo, sem dizer nada, encantada pela luz do fim do dia na pele exposta que podia tocar o quanto quisesse. Seu marido. Ainda sentia um sobressalto no peito ao pensar naquela tarde quente de dezembro, no Rio de Janeiro, num cartório discreto, com as presenças das mães de cada um e dos filhos todos juntos, quando oficializaram os votos que, há muito, já tinham sido trocados apenas entre os dois.

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