Era tarde da noite e as estrelas piscavam emprestando sua luz silenciosa como guia até um prédio decrépito de dois andares que, afastado da cidade, todos acreditavam estar abandonado há anos.
Em direção a ele, alguns corvos planavam em voos rasantes deslizando pelo vento e entrando na construção através dos buracos existentes nas janelas quebradas, passando por elas eles atravessavam rapidamente o que outrora fora um belo salão de entrada e agora era degradado pelo tempo e pela ausência de cuidado.
No centro do salão havia um homem curvado sobre uma mesa, seu corpo já desgastado pela idade era magro coberto por um puído jaleco branco de cientista repleto por manchas rubras já secas.
Iluminado por uma única lâmpada, o homem estava compenetrado em seu trabalho sem se importar inicialmente com os corvos que voavam ao redor dele, fazendo alarde com seu crocitar.
Pousando em poleiros pressos ao teto por cabos, as aves sombrias insistiram em sua tentativa de chamar a atenção do velho cientista.
- Certo. Certo! - Ele falou por fim como se compreendesse o que cada ruído significava, mesmo assim o velho sequer moveu seu olhar do que estava no centro da mesa ao ordenar.
- Me tragam a próxima leva antes que amanheça. Somente esses aqui não serão o suficiente para essa encomenda!
O objeto de atenção do cientista era um pequeno pássaro-azul que estava preso pelo pescoço e asas à mesa, desmaiado pelo cansaço e fome, porém seu despertar ocorreu tão logo suas penas foram tocadas pela afiada lâmina de um bisturi que mesmo estando enferrujado refletiu a luz da lâmpada.
Cegando momentaneamente a ave azulada que assustada se debateu, mas quando uma dor superficial foi sentida na base de suas penas ele esperneou desesperado prevendo o que aconteceria a seguir.
- Não! Por favor! - O pequeno suplicou, ainda que sufocado por suas amarras.
Insensível aos protestos e choros, o cientista cortou as pontas das asas do pássaro, que não resistiu a dor e desmaiou bem no meio do processo enquanto uma nova mancha de sangue se juntava às demais no jaleco do velho
"Mais uma vez." - Pensou o homem ao largar o bisturi e pegar uma seringa e um frasco de suas vestes, abrindo o vidro e enchendo a seringa com uma habilidade que denunciava anos de prática, ele logo injetou o conteúdo no jovem desacordado.
Os corvos, que em silêncio lúgubre a tudo assistiam, ao ver o último procedimento se completar, bateram suas assas, logo deixando os poleiros e partindo da mesma forma que entraram
Desaparecendo no breu da noite.
Deixando a agulha de lado e devolvendo o frasco que guardava um líquido cor de piche tão escuro e venenoso quando o coração do próprio cientista, ele alisou com a mão livre os poucos fios grisalhos que lhe restavam na cabeça e por fim suspirou cansado antes de soltar as amarras para aguardar o resultado de seu experimento.
Uma mancha cinza apareceu onde a agulha havia feito a aplicação e se espalhou, desbotando e tomando o azul das penas azuis como o céu tal qual se alimentasse delas antes de escurecer mais e mais, deixando apenas preto no lugar
- Como somos fracos não é pequenino? Vamos, lute se quiser viver, destrua essa franqueza - O homem louco o incentivou com uma voz seca, cheia de sentimentos perturbadores.
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Segredos Imutáveis - As Crônicas Do Corvo
RandomHá uma sombra, que espreita os planos da existência Em Platinum ele é um subdeus, em Aurium uma lenda e em Enfad é um vigarista. Mas, onde quer que ele vá, sempre haverá a frase "Maldito corvo!" a lhe a acompanhar. Aqui registrarei as aparições dess...