O trem

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O barulho contínuo do rodar sobre os trilhos lhe deixava sonolento, ele não sabia ao certo quanto tempo havia se passado graças ao cansaço que assolava sua carne e permeava seus velhos ossos.

Era o horário de voltar para casa, mesmo que lá houvesse tanto o esperando quanto naquele vagão esmaecido de trem.

Seus melhores anos se perderam e agora tudo era cinza, cansado, essa era a palavra correta para definir seu estado de espírito.

Completamente cansado.

Os barulhos metálicos da máquina eram a única coisa em sua mente, nenhum pensamento, nenhuma emoção.

Apenas a sensação de vazio, um vazio que pesava como um fardo dentro de si. Tudo ao homem apenas existia, segundos se passavam, minutos se passavam, até mesmo horas, não fazia diferença.

Mas lá estava ele, sentado no último banco, apenas existindo. Sendo levado pelo trem em suas linhas tortuosas.

Mesmo sem vontade, o homem virou seu rosto para a janela, nela o túnel cinzento deu lugar a uma estação apática, muito semelhante da que ele mesmo havia estado antes de embarcar no trem.

Não havia pessoas, estava vazia, mesmo assim, o trem parou, abrindo suas portas durante alguns segundos agoniantes.

Antes que as portas se fechassem, um corvo voou apressado entre elas, entrando no vagão do velho.

A porta se fechou, e o velho pode ter o vislumbre de várias pessoas de rostos cinzentos e expressões grotescas correndo se batendo contra a porta, em vão eles tentavam entrar.

Mendigos talvez?

Em sua apatia o velho não se importou tanto assim, mesmo que sua testa se enrugasse ao observar o corvo que, em zombaria contra seus perseguidores, batia as asas triunfante.

Ao perceber que era encarado, o pássaro-preto encarou o velho de volta em desafio.

Um arrepio percorreu a espinha do homem, os olhos amarelos do pássaro eram como faróis no meio da neblina, pareciam alertar o perigo, mas também atraí-lo para ele.

Um silêncio perturbador se instalou entre os dois, o corvo não fez barulho nenhum, enquanto o homem por sua vez evitava seus olhos voltando sua atenção novamente para a janela.

Não muito depois, o trem parou novamente, mas esta estação era bem mais agitada, nela várias crianças que ainda não deveriam ter ultrapassado os oito anos se agitavam, pulavam, brincavam juntas em uma enorme algazarra.

Tanto homem quanto pássaro não puderam deixar de ficar surpresos com a intrusão, pois assim que o vagão abriu suas portas as crianças adentraram nele em pleno estado de euforia.

Ao avistarem a ave, algumas delas esticaram as mãozinhas para pegá-lo, mas o corvo soltou um grito antes de voar para o cano de apoio no teto, indiferentes a sua atitude isso apenas as encorajou a pular para tentar alcançá-lo, vendo se tratar de um esforço inútil por culpa de suas pequenas estaturas, subiram nos bancos tentando capturar incansavelmente o pássaro.

Se assegurando de que todas as crianças entrariam no vagão, havia uma bela jovem de cabelos negros cacheados que lhe chegavam até o meio das costas, com algumas tranças na lateral da cabeça mesclando cabelos e fitas brancas, pele morena, usando um vestido branco esvoaçante com uma gola alta e mangas que lhe cobriam os ombros.

Ela gentilmente acalmou as crianças e ao ver o senhor ao fundo parecendo perdido em meio aquelas pequenas feras indomáveis, sorriu, um belo sorriso puro e brilhante como uma estrela.

O velho viu ela piscar para ele antes de conduzir os diabretes para outro vagão a frente, poupando o homem da algazarra e o corvo daquelas mãozinhas inquietas.

Segredos Imutáveis - As Crônicas Do CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora