No auge dos meus vinte e seis anos, nunca imaginei passar por uma situação como aquela. Na verdade, por mais que minha timidez tenha feito eu engolir alguns sapos de pessoas desagradáveis ao longo desses anos, nunca fui de aceitar injustiça ou violência. Mas lá estava eu, com uma compressa de gelo nas costelas para amenizar o estrago.
Nem em meu pior pesadelo poderia sonhar em ser agredida por um homem. Mas aquilo não foi nada perto do tamanho da minha decepção ao ver a pessoa que mais amava no mundo desconfiar de mim.
Aquela que me criou desde quando fui deixada para trás como um objeto pelos meus próprios pais; a mulher guerreira e batalhadora, que fez de tudo por mim; a minha figura de mãe. Meu estômago embrulha ao reviver a cena. Minha tia Suzy preferiu confiar num estranho que estava em sua vida há apenas dois meses. Eu podia sentir o gosto amargo da decepção. Sempre ouvi que o amor, em alguns casos, cegava. Eu fui a prova viva de que era verdade.
Morava com minha tia há mais de vinte e quatro anos. Quando eu tinha apenas dois, meus pais me levaram para a casa dela e sumiram no mundo. Nunca soube o motivo, mas Suzy dizia que eles eram irresponsáveis e não cuidavam bem de mim. Seja lá o que tenha sido de verdade, eu não tinha mágoas.
Pelo menos foi nisso que me forcei a acreditar.
A minha vida foi tão difícil que mal tinha tempo para lamentar a falta que eles faziam. Desde muito jovem, enfrentei dificuldades dentro de casa com minha tia. Quando tive idade suficiente para entender que o trabalho era a única maneira de nos sustentar e fornecer o mínimo de conforto, fazia de tudo para ajudar na renda. Desde vender biscoitos na escola até arrumar mercadorias na mercearia do bairro em troca de poucos dólares.
Foi assim até que, aos vinte anos, consegui um emprego nas companhias Cooper & Miller. De início tive dificuldades. Nunca havia trabalhado em uma empresa de renome. Entrei como Auxiliar de Recursos Humanos. Com o salário paguei minha faculdade para secretariado executivo e logo surgiu a vaga para ser secretaria dos senhores Cooper e Miller.
Tudo estava indo bem em minha vida. Eu comprava o que queria, viajava nas férias, morava em uma casa bonita e, mesmo não sendo luxuosa, era nosso lar. Enfim, os dias de glória tinham chegado. Só não imaginei que durariam tão pouco.
- Respira, Emma - murmurei mais uma vez naquela noite. Tentava enxugar as lágrimas, que não cessavam.
Algumas horas antes havia tido uma discussão com Stefan, o namorado da minha tia. Tudo começou quando eles brigaram e Suzy saiu de casa para aliviar a tensão, o deixando para trás. Ao questionar o que havia acontecido entre os dois, notei que Stefan se aproveitou de um momento de consolo e pousou a mão em meu traseiro. Eu mal o conhecia, mas tínhamos tido conversas agradáveis quando passava o dia conosco.
Em reação ao assedio, desferi um tapa estridente em seu rosto, o que o deixou possesso. Fiquei sem ação quando Stefan partiu pra cima de mim. Ele me deu um soco nas costelas e puxou meus cabelos, me deixando sem ar por alguns instantes.
Comecei a gritar e socar seu peito na tentativa de escapar, mas fui empurrada com força em direção ao chão e acabei machucado o quadril. Ameacei chamar a polícia, no entanto, sua reação foi ainda pior. Ele puxou minha cabeça para trás e sussurrou próximo ao meu ouvido:
- Se chamar a polícia, vai presenciar sua titia sendo morta e depois, usarei esse seu corpo magro por dias pra me satisfazer, até que suplique pra ter o mesmo fim que ela.
Fiquei petrificada; sem ação diante das ameaças. Poucos segundos depois do Stefan me soltar, Tia Suzy entrou e nos fitou desconfiada.
- O que foi? - ela perguntou.
- Tia, esse homem é um louco maníaco! A senhora tem que me ouvir! - Corri em sua direção.
Ao abraçá-la, ouvi sussurros de choro e me surpreendi ao notar que eram de Stefan. Ele havia se sentado no sofá, cabisbaixo, com as mãos na testa, como quando fui consolá-lo.
Imediatamente, Suzy me largou, indo comovida ao encontro do namorado.
- O que houve, Stefan? - ela abraçou os ombros largos daquele homem de quase um e setenta.
- Sua sobrinha, Suzy... não posso acreditar. Nem sei como falar isso!
- Falar o quê, seu... desgraçado?!
- Emma! Não fale assim! Isso são modos?
Fiquei incrédula por ela estar caindo no teatro do namorado.
Eu não costumava xingar, nem ser grosseira, muito menos saía da minha razão facilmente, mas o que Stefan estava fazendo não era normal.
- Sua sobrinha estava dando em cima de mim...
- O quê?! - gritei tão alto que minha garganta coçou.
- Falei pra ela que não estava certo pelo fato de namorarmos, mas ela se insinuou pra mim e acabei a empurrando sem querer.
Eu estava pálida, com os olhos esbugalhados com o cinismo daquele homem. Mas nada, nada me atingiu mais do que o olhar que minha tia me lançou.
- Tia..., é... é mentira!
- Não acredito, Emma... - Seus olhos azuis se encheram de lágrimas.
- Tia? - Comecei a chorar também. - A senhora vai acreditar nesse assediador? Você me conhece há mais de vinte anos. Vai mesmo colocar a minha palavra contra a de um cara que conheceu faz dois meses?!
- Basta, Emma! Não acredito que tentou fazer algo assim. Que tipo de sobrinha é você?
Meu coração se despedaçou. Não quis acreditar.
Tentei mais uma vez explicar toda a situação, mas fui interrompida por ela. Aos prantos, corri para meu quarto e tranquei a porta atrás de mim. Minha garganta parecia estar fechando, tamanha era a minha raiva. Subi na cama e abracei meu travesseiro em posição fetal.
O que faria agora? Denunciá-lo? Mas e se Stefan cumprisse com as ameaças? Se nem mesmo minha tia, a pessoa que melhor me conhece no mundo, não acreditou em mim, quem acreditaria?
Peguei o senhor Thomas, meu urso de pelúcia, e o abracei junto ao travesseiro.
Chorei sem pausa.
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A Minha Vez: Emma livro 3 - Completo
Lãng mạnEmma é uma mulher acostumada a lutar desde muito jovem para sobreviver. Aos vinte e cinco anos, ela se depara com mais um desafio: agressões físicas e psicológicas dentro da própria casa. O que a pequena Emma não esperava era que Jones Mil-ler, o se...