WILL'S POV
Me arrasto pelo acampamento em direção ao canil, onde ocorriam as aulas de adestramento para cães do verão. De quem foi essa ideia terrível eu não fazia ideia. Eu era mais fã de gatos, mesmo que cachorrinhos fossem muito fofos. Apesar disso, eu ainda não escolheria passar meu verão treinando cães enormes que poderiam me destruir se tivessem vontade. Mas claro que Nico di Angelo ia adorar fazer isso, e esse era o único motivo pelo qual eu estava inscrito nessa aula. Como iniciante, inclusive.
Para o ego de um monitor, era realmente complicado você participar de alguma aula como "iniciante". Era irritante ter que ficar no meio das criancinhas recém chegadas e perceber que sabia menos ainda que elas.
Quando chego no canil, depois de muito resmungar e pensar em dar meio volta, Nico já me espera lá, de braços cruzados com uma regata preta e o cabelo preso por uma bandana, também preta com o número de seu chalé. Seus cabelos sempre muito bem aparados já estavam começando a crescer, como ocorre todo verão, e ele parece não ligar.
— Pontual até para aquilo que não quer fazer, Solace? — Nico provoca, sem nem me dar um boa tarde ou fingir educação. Reviro os olhos e paro a sua frente, tentando ignorar as moscas que voavam e o cheiro de cocô de cachorro misturado com o de cavalo, pois os estábulos eram ao lado. Puta. Merda.
— É uma condição física, Nico. Não consigo me atrasar nem se eu quiser muito. Diferente de certas pessoas. — Mantenho a expressão fechada e de poucos amigos, sem vontade ou paciência para provocá-lo hoje. Só queria que isso terminasse logo. — Por favor, não me diga que somos só nós nessa aula. Eu entendo se ninguém mais quer fazer, mas se for só a gente eu juro que vou embora.
— Eu sei que é seu sonho ficar sozinho comigo pelo máximo de tempo que conseguir, mas não. Tem mais uns 10 campistas inscritos, devem chegar daqui a pouco. — Reviro os olhos para seu comentário engraçadinho e procuro um lugar que não esteja completamente podre para pelo menos me apoiar enquanto espero. Optei por não usar branco hoje e foi uma escolha dos deuses. O lugar era repleto de lama, brinquedos babados e coisas fedidas. Um pesadelo.
— Você não pode adiantar meu lado não? Isso aqui tá fedendo em níveis criminosos... — Falo, passando a mão na frente do rosto para espantar uma mosca varejeira que voava por perto. Até os insetos aqui eram meio mutantes...
— Adiantar seu lado? O que foi? Quer aulas particulares? Para ninguém ver que você é iniciante? — Nico fala, descruzando os braços e se aproximando, sorrindo como um gato, até parar na minha frente. Sinto minhas costas pressionarem ainda mais o tronco de madeira que me apoiei na vã tentativa de me afastar dele. — Ah claro. Da mesma forma que você fez comigo na aula de surfe! Quase me esqueço...
Seu sorriso sarcástico e a ausência do meu são uma prova que ele não esqueceu, mas eu sim. Bom, não me esqueci necessariamente porque aquela cena foi épica, mas me esqueci que ele não tinha achado tão legal quanto eu voar mar acima na frente das crianças e não conseguir ficar em pé na prancha...
— Você não vai superar isso, vai? — Suspiro, e Nico continua sorrindo daquele jeito medonho.
— Talvez fiquemos quites, raio de Sol. — di Angelo bate a ponta do indicador no meu nariz e se afasta, quando os alunos começam a chegar. Permaneço parado, encostado no tronco de árvore digerindo aquela informação. Quites? Nico com toda certeza tinha instruído algum daqueles dobermans para me dilacerar previamente e fingir que foi um acidente...
— Sejam bem-vindos! Nossa aula começa já já, mas podem ir observando os cachorros enquanto isso. Qualquer dúvida só chamar! — A voz do próprio me tira dos meus pensamentos e eu fico alerta, olhando os campistas que chegam de variadas idades, cheios de curiosidade indo em direção ao canil dos cachorros. Queria ter aquela empolgação.
Permaneci na mesma posição até que a turma enchesse, e se Nico tinha dito 10 ou ele mentiu feio ou desaprendeu a contar, pois a turma estava beirando os 30 alunos, e eu ainda achava que haviam chances de aparecer mais. Ali tinham crianças recém chegadas, veteranos, campistas de tempo médio, todas as idades e chalés possíveis. Mas o único instrutor presente era Nico... Será que isso funcionaria? Nunca vi ele lidar com pressão e a atenção de tanta gente ao mesmo tempo...
Talvez essa aula fosse mais interessante do que eu pensava que poderia ser.
— Muito obrigado pela presença de todos! Fico feliz de ver tantos rostos conhecidos dos verões e passados e mais ainda com esses rostinhos novos. — Eloquente como eu nunca tinha visto, Nico fala alto, firme, com sua voz reverberando pelo canil e sendo facilmente escutado. E respeitado. — Eu até faria uma apresentação breve, mas quem vocês devem conhecer aqui são os cachorros, não as pessoas! Então vamos lá, se aproximem! — Nico está tão confortável ministrando esse aula que consegue fazer uma piadinha, que arranca um riso dos outros, enquanto minha expressão permanece em choque.
Os demais campistas se aproximam das bainhas indicadas por Nico, com o nome de cada cachorro em cima. As pessoas se focam nos cachorros grandes, mas uma bainha mais ao fundo, afastada da atenção dos outros, chama minha atenção.
"Sunset Shimmer", uma fêmea.
Aquilo desperta minha curiosidade e eu me aproximo, encontrando uma golden retriever deitada, com apenas metade da orelha direita e com o pescoço levantado e a boca beirando um rosnado, como se já estivesse pronta para afastar quem ousasse chegar perto. Uma golden retriever tão arrisca? Era a primeira vez que eu via isso.
Me aproximo mais e a cadela permanece deitada, como se ainda decidisse se eu valia seu tempo. Finalmente coloco metade do corpo pra dentro e só então a cadela levanta, se aproximando devagar, quase como um gato desconfiado do que como um cachorro que supostamente devia ser amigável. Ela rosna antes de se aproximar completamente, e em qualquer outra situação eu teria interpretado isso como um sinal pra me afastar e evitar ter minha mão rasgada no meio.
Mas dessa vez era diferente. Sunset não me dava medo. Mesmo sendo uma cadela grande, com dentes grandes e uma expressão amedontradora, não me afasto. Deixo minha mão repousar por cima da bainha, na direção dela, e a cadela cheira, desconfiada e ainda rosnando um pouco. Ela ronda minha mão e não ouso me mexer. Ela estava me conhecendo, esse momento era dela.
— Will, ficou louco? Se afasta daí. — Escuto a voz de Nico atrás de mim mas não me viro para encara-lo, apenas estendo uma mão para trás pedindo para que mantenha distância, enquanto fixo meu olhar na cadela, que depois de ter cheirado minha mão deu uma leve lambida, se sentou e agora me olhava, quase como se estivesse curiosa.
— Espera. Eu acho... que ela gostou de mim. — Falo, e começo a abrir o trinco da bainha para que ela possa me conhecer melhor, mas Nico é mais rápido e em um segundo ele está com as mãos em cima das minhas no ferrolho, me impedindo de abrir.
— Devagar aí. A Sunset não participa das aulas de adestramento nem pode ficar em contato com outros cães ou pessoas. Ela é arrisca, e o treino dela é separado. Acho melhor você ir com calma. — Enquanto Nico falava, Sunset pareceu perceber que era o assunto e rosnou, se afastando de nós e deitando de costas pra gente, como se estivesse chateada e soubesse que éramos sempre os mesmos. Tenho vontade de chamá-la, mas Nico me afasta dali antes que eu tente abrir a bainha de novo.
— Mas porque? Porque ela vive isolada? Goldens não eram uma raça amigável e sociável e sei lá mais que baboseira? — Pergunto de braços cruzados, como uma criança pequena sem o doce querendo entender o porquê de tudo.
— E os filhos de Apolo deveriam ser as pessoas mais simpáticas e educadas do acampamento, mas você é uma exceção à regra. — Nico da um peteleco no meu nariz e eu me controlo para não quebrar seu dedo. — Assim como ela. De fato, é uma raça muito dócil, mas casos específicos como o da Sunset existem. Ela foi resgatada de um lar abusivo, onde apanhava constantemente e era usada como cão de caça e defesa de casa, completamente contra sua natureza. Isso fez dela uma cadela arrisca, estressada e perigosa, apesar da expressão fofa. — Nico suspira, como se contar aquela história o deixasse frustado. Aquela história me lembrava algo. — Encontramos ela perto da estrada de Long Island, machucada, sangrando, com a pata quebrada e a orelha cortada. Quase morta. Quiron e o senhor D. a trouxeram, e eu fiz pessoalmente o tratamento de adestramento dela quando foi curada. Depois de recuperada, percebemos que ela só se permitiu ser trazida pra cá pois estava a beira da morte e sem forças pra lutar. Acreditamos que ela fugiu de casa, por conta da coleira que carregava, e se meteu em brigas e acidentes no caminho. Ela é difícil, mas um dos meus casos de adestramento favoritos.
A história da cadela me lembrava o meu próprio lar. Criada contra a própria natureza, maltratada, frustada. O pedaço do inferno que eu chamava de casa era assim. Horrível, destruidor. Eu entendia o porquê dela ser tão arrisca e desconfiada. Era seu mecanismo de defesa depois de tanto tempo sofrendo. Eu também era assim.
— Se é seu favorito porquê não posso treinar com ela? — Pergunto, ainda emburrado, evitando pensar na história de vida dela e no quanto ela só precisava de um carinho naquele pescoço peludo.
— Porque como eu já disse e adoro repetir, meu raiozinho de sol: você não pode ter tudo na vida. — Vejo seu dedo se aproximando e o agarro antes que encoste meu nariz, mas Nico ri e rapidamente usa a outra mão para me dar o maldito peteleco. Aperto seu indicador com raiva e ele faz esforço para se soltar, com um riso debochado no rosto. — Agora vamos, tenho uma aula pra administrar!
Apesar de tudo o que Nico falou eu ainda ia preferir a cadela estressada, assassina, endominiada ou fosse lá o que mais do que qualquer um daqueles cachorros "treinados" de Nico. A aula foi um inferno. Tinham dobermans enormes correndo entre os campistas, labradores pretos, pastor alemão, american bully, e entre tantas outras raças grandes e que teoricamente não eram para serem amigáveis, mas que pulavam e balançavam o rabo como se as aulas de adestramento fossem a melhor parte do dia deles. E eles amavam pulavam. Amavam mesmo. Como se fossem adestrados para isso, entende?
Eu entendia agora porque Nico estava ansioso para essa aula, não era apenas porque ele amava os cachorros ou porque era instrutor. Era porque ali era sua área de domínio, onde ele sabia o que fazer, o que falar, onde as pessoas olhavam para ele porque ele realmente era o maior conhecedor do local, as pessoas procuravam apoio e instrução nele. Era uma mudança de personalidade radical, mas Nico sabia ser simpático se quisesse muito.
Mas tenho certeza que a melhor parte do dia dele foi quando um de seus cachorros gigantes, a Sra. O'Leary, uma rotwallier preta imensa simplesmente decidiu que eu era o melhor apoio para pular que ela poderia encontrar. E eu fui.
Fui direto pro chão com a cachorra babando na minha cara e me lambendo, como se fôssemos conhecidos de anos e ela me amasse. Onde estavam os rotwalliers de antigamente com sangue de morte nos olhos? Eu ia adorar morrer agora, pois a Sra. O'Leary me derrubou na bosta. Dos cachorros? Claro que não. Ela me derrubou na porra da bosta dos cavalos. DO INFERNO DOS CAVALOS.
Já era quase final da aula, e todo mundo riu e achou incrível, principalmente Nico, que vi pelo canto de olho que ria e tirava uma foto com o celular discretamente da minha situação trágica. Não mesmo. Isso era a gota d'água.
Empurro a cadela enorme para o lado com dificuldade e me levanto, irritado.
— Estão rindo do que, caralho? Aula não acabou não? — Olho para Nico que ainda ria, apesar de todos os campistas estarem em silêncio com a minha reação. Os alunos de Nico o observam enquanto ele ri alto, segurando a barriga com a mão no joelho.
— Ai, pelos deuses! Isso foi épico. — Ele ri para cima e enxuga uma lágrima no canto do olho antes de se recompor e volta a falar. — Sim, sim, vocês estão liberados. Até a próxima pessoal! — Nico continua rindo enquanto se despede dos alunos, que riam baixinho enquanto se afastavam do canil. Nico coloca os cachorros para dentro e eu permaneço lá, parado no meio da bosta que sujava toda as minhas costas e me faziam espumar de raiva.
— Você tá achando isso engraçado não tá?
— E não vou estar? O karma é veloz, raiozinho de sol.
— Ah, você acha? Vamos ver o quão rápido ele vai ser agora. — Como quando se já está no inferno abraça o diabo, pego com a própria mão um pedaço de cocô de cavalo e arremesso com tudo no meio da cara de Nico. Sim, do rosto mesmo. A cena da merda escorrendo pela sua bochecha, caindo no ombro e depois no chão é impagável. Única coisa ruim foi não ter trazido meu celular para filmar sua reação.
Puro e completo choque. Ele fica travado, como se não acreditasse no que acabou de acontecer. Passa o dedo na bochecha, vê a bosta e me encara. Incrédulo.
— Você não fez isso, Will Solace. Você. Não. Fez. Isso. — As palavras são pausadas, energizadas. Isso não ia ficar por isso mesmo, eu apostava, mas eu já estava afundado na merda (literalmente) então nada poderia piorar. Finjo que não estou com medo e mantenho a postura, sorrindo como um louco.
— Não sentiu não? Acho que tem mais aqui... — Quando vou me abaixar para pegar mais, Nico avança sobre mim e a velocidade do impulso me faz cair para trás outra vez, afundando ainda mais meu cabelo na bosta. O cheiro sobe violentamente e eu sinto vontade de vomitar. — Caralho, Nico, sai!
— Acho que hoje é dia de hidratar esse cabelo. — Com isso ele empurra minha cabeça na lama de bosta, e antes que tenha a chance de esfregar mais ainda, o empurro com os pés para longe de mim e ficamos nos encarando, com um mar de bosta entre os dois, esperando o próximo movimento.
— Eu não acredito no que vejo. — Estou quase me aproximando para afoga-lo em cocô de cavalo quando a voz de Rachel na porta do canil me desperta do transe louco que estava entrando. — Vocês se superaram dessa vez. Tem que ir pro livro dos recordes! — Nossa amiga parece indignada, levantando os braços e nos olhando incrédula.
— Foi ele que... — Nico começa a falar mas Rachel não deixa, ficando vermelha de raiva.
— Não quero saber! Não importa. Vocês dois as vezes me envergonham, eu juro por tudo. — Rachel passa a mão pelos cabelos cacheados, deixando-os ainda mais cheios e com a impressão de ser uma mãe frustada com seus filhos. Era quase isso. — Fiquem aí, seus pedaços de merda ambulantes. Vou trazer a mangueira para vocês não voltarem para o chalé nojentos desse jeito. Depois, ah, depois teremos uma conversa séria! Muito séria! — Rachel afirma, levantando o dedo e marchando para buscar a mangueira, enquanto eu e Nico permanecemos parados no mesmo lugar, de cabeça baixa.
— Fastidiosa bionda dall'inferno.
— Fauteur de troubles, projet démoniaque.
Escuto a voz de Nico ao mesmo tempo que falo em francês, xingando-o com propriedade. Levantamos a cabeça ao mesmo tempo e nos encaramos. Aquilo foi...?
— Italiano?
— Francês? — Nico pergunta ao mesmo tempo com o cenho franzido, e voltamos a fazer aquela coisa de falar ao mesmo tempo.
Não respondo, nem ele, mas sabemos que era, porém optamos por ficar em silêncio até Rachel retornar com a mangueira.
Eu havia me esquecido completamente que Nico morreu na Itália antes de sua mãe ter a Hazel, o que explica muitas coisas como...
SPLASH!
Meu fluxo de pensamentos sobre a descendência italiana de Nico são interrompidos por um jato violento de água na minha cara, quase na afogando. Juro que começo a escutar o início de uma risada quando o jato some do meu rosto tão rápido quanto surgiu, e quando tento abrir os olhos vejo Nico ao meu lado quase sendo afogado pelo mesmo jato, que era controlado por uma Rachel revoltada.
— Pronto. Agora vão pelo fundo, para ninguém ver vocês assim. Se perguntarem, caíram no rio. Adiantem, não vou demorar a ir buscar vocês pro jantar. — Rachel fala autoritária, largando a mangueira já desligada no chão, e marchando de volta para o lugar de onde veio, resmungando algo sobre sermos pior que seus primos de cinco anos.
— Mas que merda? — Nico fala ao meu lado, em inglês, tão ensopado e confuso quanto eu.
— Você ainda quer irritar mais ela? Se move porra! — Falo, me encaminhando para o chalé dos monitores pelo caminho indicado por Rachel, e logo em seguida escuto os passos molhados de Nico na grama atrás de mim.
Passamos voando, para que nenhum campista ou amigo nosso corra o risco de nos ver nesse estado, e entramos no chalé dos monitores na velocidade da luz, com o coração a mil.
Ficamos encostados na porta trancada por um tempo, recuperando o fôlego, quando me toco de algo. Alguém ia ter que tomar banho primeiro.
Olho para Nico e ele ainda parece ofegante, então me aproveito disso e corro para o banheiro, mas Nico conseguia ser mais rápido que eu por carregar uma quantidade significativamente menor de músculos. Antes que eu entre, Nico voa para o banheiro, mas não o deixo fechar a porta totalmente colocando meu pé e enfiando o corpo para dentro, com ele lá.
— Sério? Eu cheguei primeiro. — Nico fala, e aquele rapaz sorridente e simpático que passou a tarde ensinando crianças a adestrarem cachorros some, e o Nico de sempre, tão arrisco quanto Sunset volta.
— Bom, eu preciso mais do que você! Cai naquela bosta antes. — Reclamo, como se meu motivo fosse plausível mas Nico permanece impassível.
— Não vou sair daqui. — Ele afirma, cruzando os braços e prensando o corpo na porta do banheiro grande do chalé. Infelizmente, sua frase abriu espaço para minha mente demoníaca trabalhar.
— Ótimo, então assista. — Com isso, me viro de costas ao mesmo tempo que Nico fala uma última vez antes do meu plano ser colocado em prática.
— Mas que fanculo...
Tiro a blusa e o que Nico ia falar morre na sua garganta. Não preciso olhar para trás para saber que seu rosto está vermelho e que queima tanto quanto as minhas costas nesse momento. Sinto seu olhar penetrar a minha pele, perfurar os meus ossos.
Contraio os músculos so para me exibir, e deixar ele ainda mais desconfortável e abaixo o short que vestia, ficando só de cueca. Nessa hora eu me viro, para ver sua expressão, e vejo que Nico parece pronto para explodir. Mas não só isso. Seu olhar desce por meu corpo como um escaner, e volta para meus olhos. No meu plano de deixá-lo constrangido, uma hora dessa ele já deveria ter saído correndo do banheiro gritando que sou um depravado, mas Nico parece fixo no lugar, hipnotizado.
Eu poderia até achar que ele estava tentando me constranger, mas desde a noite que bebemos vinhos e ele desabafou, sinto que as coisas mudaram. Talvez aquela conversa que Rachel teve comigo fizesse sentido agora, porque muita coisa encaixava...
Me aproximo devagar, e vejo que o olhar de Nico não se move da minha barriga, do meu abdômen definido com a cicatriz larga e da linha V do quadril. Vai babar também?
— Ei, meus olhos estão aqui. — Falo, a poucos metros dele, e só então seus olhos voltam aos meus. Eles estão pretos, sem seu habitual azulado, apenas repletos de luxúria, como se devorasse a minha alma. Ou outras coisas.
— Eu sei. — Sua voz não é mais do que um sussurro rouco, e cada pelo do meu corpo se arrepia. — Mas não tô achando eles interessantes hoje. — Sua ousadia me pega desprevenido, mas sua voz me atrai como um ímã. Ficamos agora frente a frente, testas praticamente coladas, respiração uma coisa só.
Eu devia me afastar, ele devia me empurrar, me xingar e a gente podia simplesmente brigar e evitar que as coisas tomassem outro rumo.
Mas o jeito que ele me olhava... Era diferente de qualquer olhar de desejo que eu já tivesse recebido antes, e eu já recebi muitos. Mas Nico não me olhava apenas como se quisesse me pegar. Não, ele queria me devorar. Era palpável, um pouco assustador, mas para mim era como um inseto para a luz. Atraído.
— E o que despertou seu interesse? — Eu não devia perguntar, mas mal reconheço minha voz quando ela sai da minha boca. Nico fica surpreso com a minha replica, mas não recua. Ele morde os lábios com força, e talvez não seja sua intenção mas esse movimento o deixa tão sexy que sinto calor mesmo com o corpo molhado. O olhar de Nico passeia pelo rosto e voltam para aquela região da barriga, onde a cicatriz residia e os gominhos do tanquinho também. Sua mão se contrai ao lado do corpo, e ele aperta os punhos, como se fizesse um esforço tamanho para controlar os instintos e vontades de me tocar. Mas eu não queria controle, não hoje, ou agora. Eu não fazia ideia de quando teríamos outro momento desse, a situação dos vinhos faz quase um mês. Isso era especial também. Eu ia aproveitar. — Me mostra o que foi. Pode tocar. — Falo próximo do seu ouvido, tão próximo que não resisto e passo o dente no lóbulo da orelha. Nico estremece, mas me olha antes de se mover de verdade, e fala.
— Não quer se arrepender disso depois quer?
— Disso o que?
— De deixar eu te tocar assim.
— Porque eu me arrependeria?
— Meus dedos vão cravar na sua pele de tal maneira que você nunca vai esquecer. Da mesma forma que meu nome já esta cravado em sua mente, isso aqui não vai ter volta, Solace.
Eu achava que não era possível. Que Nico di Angelo não era alguém tão bonito assim, ou até mesmo gostoso, mas eu estava tão enganado que doía. Agora eu sentia que doía, do fundo dos meus ossos porque eu sabia que ele não ia me beijar. Não, ele ia fazer pior. Eu sei que ia porque era Nico di Angelo. Nada com ele era simples ou fofo. Tinha dor no meio.
Mas eu tinha uma tendência sadomasoquista de gostar de sentir dor.
— Faz valer a pena então. — As 5 palavras que mudaram a química do meu cérebro.
Nico sorri ao escutar minha resposta, e suas mãos grandes se apertam ao redor da minha cintura, mas não me puxam para perto, apenas me prendem no lugar enquanto suas unhas curtas me arranham e eu fico tentado a esticar os braços e encerrar a distância entre nós de uma vez por todas.
Mas não. Ele passeia os dedos devagar pelo cos da cueca, parando bem no meio da cicatriz, na metade do abdômen. Ele a encara, e acho que ele vai perguntar o que é, ou se afastar com nojo como alguns fazem mas ele apenas se abaixa, sem chegar a ajoelhar nem tirar as mãos de mim e a beija.
Nico di Angelo beijou a porra da minha cicatriz como se eu fosse a coisa mais preciosa que ele já viu.
Fico sem ar, e Nico passa a mão pelas minhas costas lentamente e se antes eu estava com frio agora não sinto mais nada além de uma provável combustão instantânea causado pelas mãos dele em mim.
Nico me olha, analisando minhas reações e de repente coloca uma mão no meu rosto, segurando minha nuca e colando nossas testas.
— Faz por merecer, Will.
— Merecer você?
— Merecer a gente.
Com esse sussurro de deixar a perna bamba e a mente confusa, Nico se afasta, sai do banheiro e logo em seguida do chalé, pois a porta da frente é aberta e fechada em seguida. Suspiro, finalmente sozinho, e bato a cabeça na porta.
— Inferno. Como pode ser tão burro? — Resmungo comigo mesmo e entro num banho frio, com água gelada na tentativa inútil de abaixar minha temperatura e acalmar meu coração e mente.
Mas não surte efeito.
A água me lava, levando a sujeira, mas minha mente não permite que as memórias se vá junto.
E meu coração? Esse bate tão rápido que ameaça fugir do peito e contar para todo mundo a maior desgraça que já me aconteceu.
Deixei Nico di Angelo me tocar.
Nico di Angelo beijou minha cicatriz.
Eu gostei.
Eu queria mais.
E a maior e pior verdade de todas:
Eu não merecia mais. Nunca mais.
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last summer - solangelo
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