Capítulo 2 - Desmemoriada

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Algo macio, quente e aconchegante acomoda meu corpo.

Abro meus olhos e a primeira coisa que vejo é um teto baixo de pedra. Então o cheiro de ervas invade meu nariz e involuntariamente faço careta. É uma mistura nada agradável e irritantemente forte. Gemo e tento levantar apoiando os cotovelos no colchão, mas uma mão forte me empurra de volta sem muita gentileza.

- Não levante, ainda não terminei.

Viro a cabeça e meus olhos caem sobre uma mulher delicada e incrivelmente bela ao lado da cama. Sua pele escura brilha sob as luzes amarelas do lugar conforme ela gira um pedaço curto de madeira dentro de um pote, sem dúvidas a origem daquele cheiro. Seus cabelos cacheados formam uma aura ao redor da cabeça, e balançam freneticamente acompanhando os movimentos dela.

- O quê atacou você, afinal? - ela pergunta, olhando fixamente para um ponto na minha testa - Eu nunca vi ferimentos tão estranhos. Sinceramente parece que você foi jogada num redemoinho de espinhos, arrastada sobre vidro e depois espancada. Cada corte está numa posição diferente, muitos são superficiais e outros tão profundos que precisei costurar.

Ela está brigando comigo? Parece estar.

Umedeço meus lábios pronta para responder quando ela enfia os dedos dentro do pote e depois se inclina sobre mim, passando o unguento sobre minha testa. Isso arde terrivelmente e solto um protesto recheado de palavrões, tentando me afastar do seu toque.

- Fique parada garota, vai passar em um minuto.

Realmente passa, mas aquele cheiro é insuportável. Eu odeio usar unguentos e pomadas, sempre odiei. Gemo e tapo o nariz, me afastando da mulher e forçando meu corpo a levantar da cama.

- Não levante ainda, você vai...

Assim que me vejo de pé sobre meus pés entendo porquê ela não queria que eu me levantasse. Estou fraca e minhas pernas não aguentam o peso do meu corpo. Caio feito uma pedra no chão de madeira, batendo os joelhos e dobrando o pulso de forma desajeitada. A mulher leva dois segundos para dar a volta na cama e me alcançar. Suas mãos agarram meus braços e ela me ajuda a levantar, me deixando apoiar todo meu peso sobre ela. Percebo que eu havia me enganado, ela não é tão delicada quanto parece. E é muito mais alta do que eu.

Sento sobre a cama respirando com dificuldade, aquela mistura me sufocando.

- Eu avisei, garota. Seu corpo está muito fraco, você chegou aqui quase...

- Eden - anuncio, tentando faze-la parar de brigar comigo. Funciona. Ela me encara em silêncio por um segundo antes de franzir a testa.

- O quê disse?

- Meu nome. Eden. Pare de me chamar de garota.

Ela continua me encarando por mais alguns segundos e eu retribuo o olhar. De repente compreendo que ela não é uma mulher comum. Ela também tem aquele brilho estranho sobre si mesma. As orelhas estão escondidas sob o cabelo volumoso, mas olhando com atenção eu consigo ver a pontinhas saindo entre os fios escuros. Ela é uma feérica bem jovem.

E eu ainda estou alucinando, afinal.

A feérica abre os lábios cheios em um pequeno sorriso e estende a mão para mim. Noto que as pontas dos seus dedos e as unhas tem uma coloração diferente do resto de sua pele, de um amarelo bem claro. Hesito, mas enfim ergo minha própria mão e aperto a dela.

- Sou Áster, a curandeira da Corte. Me desculpe se fui grosseira, é que você é a primeira humana que conheço pessoalmente.

Curandeira da Corte. A Corte Outonal, onde eu estou. Onde Eris vive. Eris...

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