Capítulo 3 - Convite ou Desafio?

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Uma semana passou e eu ainda estou louca.

Depois de acordar de um pesadelo onde um monstro com escamas me devorava em um lago e de constatar que eu não havia voltado para minha vida real mais uma vez, me espreguiço e levanto da cama. É início da manhã e a luz do sol aquosa ilumina o quarto apenas o suficiente para que eu não tropece. Meu corpo está suado e pegajoso, e o cheiro do unguento ainda me faz torcer o nariz. Mas pelo menos eu não sinto mais tanta dor.

Caminho para o banheiro e ligo a torneira dupla para encher a banheira com água quente. Sento na borda negra de mármore enquanto vejo a água subir exalando vapor e tento relaxar o corpo. Minha mente se tornou uma bagunça durante essa semana. Minhas lembranças são confusas, um grande redemoinho da vida que eu tinha e do momento em que tudo mudou. Eu estou enlouquecendo mais e mais a cada dia nesse lugar. Depois de uma semana é impossível continuar negando que isso não é real. Meus ferimentos são inegavelmente reais. O quarto é real. A comida é real. O mundo do lado de fora da pequena janela é real. Áster é muito real.

Por mais que seja absurdo, eu havia mesmo entrado em um mundo diferente do meu, onde feéricos e todas as criaturas fictícias existem. Eu não faço ideia de como isso aconteceu, e cada uma das minhas teorias se mostraram insustentáveis. O fato porém, é que eu estou em Prythian. E isso tanto me aterroriza quanto fascina.

Quando eu era pequena minha avó costumava me contar histórias de um lugar chamado Prythian antes de dormir. Ela me colocava na cama e se deitava ao meu lado, sua voz suave como uma canção de ninar. Seus dedos habilidosos giravam no ar sempre que precisava virar a página do livro mágico que mantínhamos escondido dos meus pais. Esse é nosso segredo minha doce Eden, ela dizia, dando início a um dos inúmeros contos incríveis. Cresci acreditando naquelas histórias, até o dia em que minha avó faleceu ao pular do telhado da nossa casa, certa de que conseguia voar. O livro desapareceu depois disso, mas eu ainda guardava todas as histórias na memória.

Suspiro pesadamente e fecho os olhos, as lembranças dançando por trás das pálpebras. Eu estou em Prythian. Eu estou na Corte Outonal. Com Eris e seus irmãos cruéis. E principalmente, com Beron.

O pânico sobe pela minha garganta, como sempre acontece quando eu começo a pensar demais. Me apresso para entrar na banheira fumegante, jogando minhas roupas no chão. A água ajuda a me acalmar. Talvez eu seja metade sereia e nunca descobri, afinal se Prythian existe, porquê isso não poderia ser verdade também?

Bufando, estico a mão e pego alguns sais de banho para perfumar a água. Tem o cheiro suave e adocicado de ameixa. É perfeito. Esfrego meu corpo tomando cuidado com meus ferimentos, e quando termino apoio a cabeça na borda da banheira. O som de pássaros entra pela janela trazendo consigo a brisa fria da manhã. Pássaros reais.

No meu segundo dia naquele quarto eu constatei que já conseguia me manter de pé sem cair feito uma marionete e decidi explorar cada reentrância do espaço em que eu estava, principalmente a porta de saída. Ela dá para um corredor de pedra e para minha surpresa uma barreira invisível me impedia de passar. Resmungando, bati a porta fechada e não voltei mais a abri-la. E desde então eu passo meus dias da mesma forma: Descansando, comendo e enlouquecendo. Além de esperar minha única visitante.

Demorou pelo menos metade do segundo dia para que Áster finalmente aparecesse e, por incrível que pareça, a visão da feérica de cabelos cacheados foi um alívio. Ela me ajudou a tomar um banho depois que eu insisti muito, mas aquilo se tornou uma memória que eu gostaria de esquecer. Foi extremamente perturbador ter alguém esfregando e lavando meu corpo, tocando regiões íntimas e sensíveis. Áster percebeu meu desconforto em determinado momento e perguntou se humanos não tinham criados que os ajudavam a se lavar. Eu não soube o que responder e ela não insistiu no assunto. Quando terminamos ela me entregou algumas roupas que havia separado, já que as minhas estavam rasgadas e sujas. Havia um vestido azul cobalto longo, uma camisa branca, três suéteres de lã, duas calças pretas forradas por dentro, um par de botas e meias com desenhos de coelho bordadas. Ela se desculpou pelo último item, informando que tudo pertenceu a uma de suas irmãs quando era mais nova. Foram as únicas roupas que ela encontrou que caberiam no meu pequeno corpo humano, incluindo as roupas íntimas, que milagrosamente não tinham desenhos nem nada parecido.

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