Capítulo 4 - Isca de Monstro

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Há uma fina camada de neblina na floresta e sobre o lago que os fazem parecer quase um sonho. E levemente assustador.

Nós estamos próximos da margem onde eu havia desabado ao sair da água uma semana atrás, e xingo internamente por não ter colocado as calças forradas que Áster me deu quando uma brisa gelada sopra meus cabelos. Eu esqueci o quanto é frio no outono. Mas admito, é revigorante poder sentir o frescor do ar e ouvir a natureza ao meu redor depois de ter ficado presa uma semana naquele quarto.

Sem perder tempo, verifico os arredores. Observo do chão forrado de folhas e lama ao topo das árvores coloridas. Das pedras e rochas ao céu com nuvens cinzentas. Então o lago, a água calma que reflete a paisagem exuberante como um espelho. Não há nada, nenhum sinal daminha passagem por ali.

- E então? – Eris pergunta depois de alguns segundos, me lembrando de sua presença ao meu lado. Ele se mantém a distância de um braço, provavelmente se adiantando caso eu decida tentar fugir. A ideia é tentadora, não posso negar. Mas eu tenho certeza que ele é mais do que capaz de me alcançar sem esforço se eu corresse, além de que eu não arriscaria perder a oportunidade de ter sua ajuda.

Flexiono os dedos, tentando pensar no que fazer.

- Consegue sentir algo diferente? – pergunto me virando para Eris, que me observava de esguelha. 

Ele franze as sobrancelhas ruivas e pensa por um segundo - Como o quê?

- Bem, eu não sei. Alguma mudança na atmosfera ou talvez algo que sua magia consiga identificar que não pertença à corte. Qualquer coisa.

O vento gelado passa por mim com mais força e eu me encolho, passando as mãos sobre as laterais dos braços na tentativa de me aquecer. Eris se vira para o lago e estica a mão na frente do corpo. Uma chama do tamanho de uma laranja surge na palma e dança sobre os dedos antes de se desprender e flutuar para a água.

Observo encantada a pequena chama virar apenas um ponto laranja sobre a superfície gelada, cobrindo toda a extensão do lago. Ela flutua alegre e em ziguezague, até que para há vários metros de onde estamos, seu brilho quase engolido pela neblina.

- O que tem lá? – pergunto, me aproximando da margem. Eris se mantém no lugar, a testa franzida com a concentração.

- Não tenho como saber até verificar pessoalmente. A energia é fraca, pode ser algo pequeno ou sequer ser algo que... O que pensa que está fazendo?!

Continuei tirando o suéter por cima da cabeça e o jogo sobre as meias que já estavam no chão. Não me importo com o fato de estar seminua na frente de Eris ou com o frio que me faz bater os dentes. Não com a possibilidade de algo do meu mundo estar submerso no lago e completamente acessível. Algo que pode me levar de volta e acabar com tudo isso.

- Você vai congelar antes de chegar lá – Eris anuncia e ao colocar os pés dentro d'água quase desisto.

Minha pele doí e formiga conforme eu entro mais e mais, a água escura cobrindo meus joelhos e depois as coxas. Ao atingir minha cintura, mergulho para frente com os braços esticados. É tão natural que mau preciso pensar no que fazer enquanto meu corpo se move para boiar quando meus pés não tocam mais a areia pedrosa do fundo do lago. Me viro e olho para a margem, esperando encontrar Eris boquiaberto ou irritado. Ao invés disso, ele já havia tirado a camisa que usava e as botas, jogando-as sobre as minhas roupas. Seu abdômen definido e a pele clara em contraste com os cabelos ruivos conforme ele nada na minha direção é uma paisagem aparte daquela que a natureza produz atrás dele.

Eris para na minha frente e sua mão submersa segura a minha. Vapor surge e se funde à neblina conforme ele aquece a água ao nosso redor o suficiente para que o frio não nos incomode.

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