Quem quer memórias de presente?

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Diário,
Desde que venho tentando corrigir meus erros só me aparecem mais deles, então eu resolvi viajar com meu pai para uma cidadezinha do interior.
-Por que quis vir? -perguntou meu pai preocupado.
-Quis dar um tempo para a vida -respondi.
Ele apenas parou o carro enfrente à uma padaria e saiu comigo o seguindo.
-Pai, eu posso comprar a nona edição das Crônicas da Chapeuzinho Vermelho? -perguntei pegando a revista.
-Não. -falou ele secamente- Essas coisas não falam totalmente a verdade e, mesmo se falasse, eu não iria deixar de qualquer maneira.
Lembrei do dia em que eu fugia daquela bruxa da casinha. Eu tinha descoberto meus poderes e os do meu pai. Foi lá que meus problemas começaram.
-Pai, por que nunca me contou sobre seus poderes de gelo? -perguntei.
Ele olhou para os lados enquanto entrava na padaria.
-Você quer conversar? -ele perguntou retóricamente- Aqui não.
-Você tem isso desde quando? -perguntei ignorando suas ordens.
-Nasci com isso em mim. -ele respondeu também ignorando a sua própria ordem.
-Por que evita falar sobre isso? -perguntei sem paciência.
Ele pegou um pão, um biscoito e um refrigerante de estante e botou no carrinho, não me dando atenção.
-Pode me dizer pelo menos que tipo de trabalho você está fazendo aqui?
Ele me olhou e disse:
-Uma filial precisa de mim -disse sério de dirigindo ao caixa.
Decidi não perguntar mais nada, afinal ele também tem seus problemas secretos, assim como eu tenho os meus.
Voltei para o carro pensativa, pensando em onde eu poderia ficar para passar o tempo. Fazia anos que eu não ouvia falar sobre a antiga casa do meu pai. Vai ver que ele ainda estava triste por ter sido filho único, sonhando com um irmão mais velho.
-Eu vou ter que ir para a filial, vê se acha alguém legal para brincar -falou meu pai ligando o carro.
-Você vai deixar sua filha ir para a mata sozinha? -perguntei.
-Amanda, -começou- você já é grandinha. Além disso eu não disse para você ir para a mata.
-Tanto faz.
Andamos de carro, abri a janela sem saber o real motivo de eu estar fazendo aquilo e botei minha cabeça para fora igual a um cachorro. O vento batia no meu rosto, espantando o suor alojado perto do meu cabelo e me fazendo fechar os olhos.
O passeio até que seria bom. Seria, se meu pai não tivesse parado bruscamente o carro e eu não tivesse dado de cara no retrovisor.
-Filha! -gritou meu pai- Eu já isso para botar o cinto de segurança!
É, e esse é o meu pai. Sempre reclamando.
-Vou dar uma volta -falei saindo do carro esfregando o rosto com a palma da mão vermelha.
Meu pai concordou com a cabeça e partiu de carro.
-Ora, ora. -disse alguém atrás de mim- Veja quem está aqui...
Olhei para trás.
-Bruna? -perguntei- O que faz aqui?
-Acho que a pergunta a se fazer é: meu nome é mesmo Bruna?
-Você está estranha. -falei- Será que não quer facilitar minha vida e...
-Clarisse! -me interrompeu gritando- Meu nome é Clarisse.
-Eu não te perguntei... Clarisse.
Ela botou a mão no rosto, como um ato de reprovação.
-Você não quer brincar comigo? -perguntou.
-Eu já tenho dezoito anos, pare de falar como uma menina de cinco, por favor -pedi.
Ela me olhou estranho.
-Toda vez que vinha para cá eu enterrava umas coisas minhas no quintal, vamos encontrá-las -ela falou ignorando meus comentários.
Segui ela sem reclamar, afinal não queria ser uma pedra no sapato.
-Não está tão no fundo, vamos pegar a pá -ela sugeriu.
-Pare de ser fresca -falei- vamos com as mãos!
Ela deu um sorriso sapeca e enfiou as mãos dentro da terra, sujando as mesmas. Repeti sua ação sem pensar e fomos cavando entre risadas e terras que entravam por baixo de nossas unhas. Pude lembrar um pouco da minha infância, aos jogos de tabuleiro e as briguinhas bobas com as amigas, mesmo sabendo que não durariam.
-Achei! -gritou.
Pegamos uma caixa marrom coberta de terra (até achamos uma minhoca!) e a abrimos com uma chave que estava em um colar de Clarisse/ Bruna (afinal, o nome dela era Clarisse mesmo?).
Ela tirou um livro grosso e empoeirado de lá. Sua capa roxa prendeu meu olhar no mesmo instante, o título em dourado reluzia a meus olhos "Os verdadeiros contos", dizia na capa. Uma vontade de lê-lo me preencheu, como nenhum outro livro fazia.
-Que livro é esse? -perguntei.
-Um amigo meu me deu. Ele era a fim de mim -falou com um olhar triste.
-E o que aconteceu com ele? -perguntei.
-Não somos mais amigos. -ela falou com a expressão nada melhor- Digamos que ele está bem longe...
-Meninos são uns bestas! -soltei.
-Nem todos. -ela disse deixando um sorriso escapar- Peter não era besta. Eu gostava muito dele.
-Quem é Peter? -perguntei mais curiosa do que nunca.
Ela fez uma cara de quem finalmente acordou em si e disse:
-Ninguém.
-Sabe, Bruna... Desculpe, Clarisse... -corrigi- As vezes você parece tão madura...
Ela deu de ombros sem nenhuma palavra.
Olhei para o lado pensativa e vi o carro do meu pai. Ele já voltou? Quanto tempo havia passado?
-Ei, meu pai já chegou. -falei- Vem comigo.
Entramos a passos leves na casa a tempo de escutar meu pai tendo uma comeras ao telefone:
-Cara, eu vejo essa menina nos meu sonhos! Eu estou ficando louco! Será que eu tive mesmo um irmão?! Será que eu... -então seu olhar parou na gente, enfrente a porta -Desculpe, Mestre, tenho que desligar.
E então ficou um silêncio, a não ser pelo barulhinho do telefone sendo desligado.
-Quem é sua amiga? -falou com uma expressão nervosa e, aposto, que não era só por causa de termos ouvido a ligação. O problema era com Clarisee, Bruna, qual seja o nome dela.
-Pai essa é a...
-Oi, Jack -falou Clarisse me cortando- quanto tempo que eu não te vejo.
Como ela sabia o nome do meu pai?! Ele já tinham se visto?! O que ela queria dizer com aquilo?!
-Cla... Clarisse?! -perguntou meu pai confuso.
-Você cresceu -disse ela como se já tivesse visto meu pai quando criança.
-Da onde vocês se conhecem?! -perguntei sendo deixada no vácuo -Eu mereço respostas!
Fui simplesmente deixada de lado de lado. Eu não iria me confirmar com aquilo, eu não ia mesmo! Peguei o livro da mãos de Clarisse e subi as pressas, para o quarto que se adi meu pai quando criança.
Comecei a ler o maldito livro encima do telhado, que parecia ser um lugar tranquilo, sem interrupções. Abro a primeira página. Tinham pequenos textos falando sobre as verdadeiras histórias de todos os contos que eu achava conhecer com a palma da mão.
Passei para a outra página e vi uma coisa que parecia ser importante:
Reze para não ser um dos escolhidos. A cada 1000 anos pessoas são escolhidas para fazerem um papel de um personagem de um dos contos genéricos. Cuidado, uma vez descoberto, sua vida não será mais como antes.
Isso explicava minha situação de Elsa filha do Jack Frost.
Voltei mais uma página e encontrei um personagem que eu não conhecia:
A boneca Dolly parece adorável, mas não se engane, ela não é tão doce assim. Seus olhos de botões espiam cada ação e cada movimento seu, não te dando descanso.
Aquilo dava muito medo. Pulei algumas páginas e vi que uma história começava lá. Era narrada por uma narradora chamada Clarisse (coincidência não era) que era a chapeuzinho vermelho (nada a ver). Ela tinha um vizinho chamado Peter (não podia ser outra coincidência), que tinha um irmão chamado... JACK!
Parei para respirar. Meu pai de fato tivera um irmão, mas como... Isso era impossível! Ele era filho único! Deixei o livro encima do telhado mesmo e fui até o jardim da casa ao lado, o jardim da casa de Clarisse, e fui até a caixa. Lá havia uma capa vermelha (agora isso fazia sentido), umas coisas e uma que me fez cair no chão de pavor: Dolly.
Me recompus e tomei coragem para ir olhar. A boneca estava imóvel. Lá também tinha desenhos de um gato. Um gato roxo. E tinha cupcakes que eu não ousei tocar. Vai que podia ter bruxaria naquilo.
Vi um caderno e tudo se encaixou: ela tinha um diário.

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