Brigas minhas e minhas

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Diário,
estou me assustando. Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece.
Olhei de novo para a boneca Dolly, que estava me assustando.
Uma voz de idosa ecoou na minha cabeça dizendo "Clarisse tinha descoberto a mais tempo" e "ela iria ser sua tia, se seu pai não tivesse matado seu tio Peter" então tudo se encaixou. A voz era a daquela bruxa da casa de doces. E agora a voz de Clarisse estava na minha cabeça "Peter tinha um irmão mais novo, Jack" de fato, ela poderia ter sido minha tia. E de novo, isso era estranho.
-Amanda? -chamou-me meu pai, me assustando.
-Papai. Por que matou Peter? -perguntei me virando -Clarisse o amava.
-Eu não sei. Eu nem sei se tive mesmo um irmão mais velho. -ele suspirou- Não lembro de ter vivido isso, mas essas imagens aparecem na minha cabeça.
Foi aí que eu percebi que era estranho compartilhar coisas assim da mente com alguém que não é da sua idade, mas eu queria saber, apesar disso.
-Ei, vocês! -gritou Clarisse- Saiam da minha caixa!
Nos afastamos da caixa assustados com a cara de Clarisse, então ela a fechou e a pegou.
-Nem tudo que está aqui pode ser compartilhado.
-Clarisse... -disse meu pai na muito confortável- você não tinha se matado com aquela adaga?
Ela se virou para nós com um olhar sério.
-Parece que Dolly só acabará com isso quando todos os escolhidos forem pegos. -falou ela- Dói, sabia? Dói saber que Peter está em outra dimensão, longe de mim. Dói saber que eu não pude ser uma garota normal com um namorado normal que não podia voar!
Ela parecia querer chorar, mas não conseguia.
-Clarence disse que tudo acabaria quando eu usasse a Adaga Henngdohmd -completou ela- ,mas parece que eu estou na mesma.
-Que nome difícil de se pronunciar. -falei torcendo o rosto- Qual língua é?
Meu pai botou uma mão em meu ombro, sinalizando para eu não fazer mais perguntas.
-Nós não sabemos muito sobre esse assunto. -disse meu pai em tom negativo- O único ser que eu ouvi falar que sabe é essa boneca metida a Anabelle.
Clarisse estava perdida em seus pensamentos, fitando o chão. Me perguntei se não estaria pensando em Peter, meu (provavelmente) tio. A história deles parecia ser bonita. Pelo menos, melhor que a minha com qualquer garoto que eu tenha me envolvido. De repente, senti uma pontada de ciúme por eles, mas lembrei que eles sofriam sem o outro perto deles desde que descobriram que tinha esse dom. Ou maldição.
-Clarisse, eu... -comecei a falar.
-Porfavor, me deixe. -falou cabisbaixa- Vá buscar meu livro.
Assenti com um tom de culpa, não sei o porquê. Eu só não queria deixar os outros desconfortáveis.
De volta ao telhado, peguei o livro e o abri fingindo o mesmo entusiasmo de antes. Abri na página do Peter Pan. O que me inquietava era a existência de dois Peters Pans. Olhei para as duas fotos. Qual deles poderia ser meu tio.
Olhei as duas fotos com cuidado, comparando-as com as características do meu pai. Nada. Por que eu não conseguia? Encarei os olhos deles. Um chamou minha atenção. Em dúvida, toquei a mesma, que produziu o doce tom de uma voz.
"Sabe, Dunga, eu queria que Clarisse detivesse aqui. Por que será que isso tudo ainda não acabou? Por que não posso tê-la nos braços, depois de tudo que passamos? Me sinto pela metade. Só a metade de um céu azul. Apenas a metade de um homem. Sinto que tenho apenas a metade do meu coração sem ela".
A voz se calou e eu tive tempo para refletir. Quem me dera se alguém dissesse palavras tão lindas como essas para mim. Eu queria gritar para o mundo "POR QUE SÓ EU QUE NÃO POSSO SER FELIZ DESSE JEITO" , mas me calei. Eu sabia que eu não era a única. Eu tinha uma amiga que sempre esteve do meu lado e nunca conseguiu achar um garoto para ela. Passamos por tudo juntas, mas, por minha causa, eu não podia mais a chamar de amiga.
Uma sensação de culpa me atravessou novamente. Por que eu tinha que estragar tudo?
-Eu disse para você apenas me entregar o livro. -disse Clarisse atrás de mim. Reconheci sua voz desapontada e triste- Você tinha que tocar logo na imagem dele?!
-Me desculpe, Clarisse.
-Amanda, porfavor, me entregue o livro. Eu preciso ir.
-Para onde? -perguntei.
-Não posso te contar. Irei para muito longe.
-Me dê ao menos uma pista.
Ela pensou pouco e prosseguiu:
-O único modo de achar Peter é falando com alguém que não me agrada muito.
Entreguei o livro a ela, a vendo partir pulando do telhado e correndo com sua capa, casaco ou algo parecido, agora vestido.
Olhei fixamente para o chão. Tinha uma folha lá. Uma folha de diário. Ela não deixaria isso de propósito. Sem mais delongas, peguei a folha. Nunca fiquei tão feliz em olhar para o chão.
Na folha havia uma música. Sério, produção? Clarisse havia escrito uma música? Sua letra era linda, cursiva.
No papel estava escrito o seguinte:
"Sonhos
Podem ser até bons.
Mas na realidade
Perigosos serão.

Olhando para o céu a pensar:
Será que eu devo te amar?

Capuz cobrindo o rosto
Para não sentir o gosto
Da dor.

Um dragão enfrentar,
Como uma sereia nadar,
Um lobisomem interpretar,
Ter a capacidade de congelar
Ou simplesmente voar.
O perigo nunca vai cessar.

Olhando para o céu a pensar:
Será que eu devo te amar?

Quando criança, pode se legal,
Mas quando crescer é mortal.

Capuz cobrindo o rosto
Para não sentir o gosto
Da dor.
Pode não pensar que é fatal,
Mas vai ser no final.

Olhando para o céu a pensar:
Será que eu devo te amar?

Mesmo depois de tentar me matar
Não sei como eu consigo te amar.

Você pode pensar que o sofrimento acabou,
Mas ele apenas começou.

O amigo é inimigo,
O inimigo seu amigo
E o menos importante
Será a chave final.

Depois de tudo a pensar:
Como eu consigo te amar?"

Profunda. Essa música foi profunda. Mas, na realidade, eu não entendi nada! O menor será a chave final? O perigo nunca vai cessar? Eu não estava entendendo nada! Eu deveria mostrar para meu pai? Deveria devolver para Clarisse? Todas as perguntas martelavam na minha cabeça.
Olhei para o verso "olhando para o céu a pensar: será que eu devo te amar". Será que se referia a Peter? Eu só sabia que eu me identifiquei totalmente.
Calma, Amanda, você tem que esquecer o Ryan. Como se fosse fácil.
Desviei minha briga comigo mesma para longe e decidi decifrar a dica de Clarisse. Quem não a agradava? Será que era meu pai? Não pode ser. E quanto à aquele ex amigo que Clarisse tinha mencionado? Ele dera o livro para ela. Isso se encaixa.
Infelizmente, eu não sabia nada sobre esse ser. Meu pai deveria saber, já que viveu sua infância com ela. Só não sei se perguntar a ele seria uma boa, sabe, precaução. Ele aí querer saber o porquê de eu querer saber sobre ele. Papai não concordaria nunca em me deixar seguir Clarisse. O que eu estava dizendo?! Eu já era adulta o suficiente para ir aonde eu quisesse!

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