Capítulo 1 - Piloto

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Início de ano, tempo frio, mas a lareira que fiz me aquece bem. O cheiro forte que a lareira deixava por todo o galpão me irritou por um segundo, segundo esse que passou muito rápido ao ouvir o milésimo pedido de ajuda.

O homem a minha frente que estava prestes a virar pó novamente, urrava de dor e de desespero. O fogo que começou a derreter seus pés agora já se espalhou por todo o seu corpo. O fato de que eu usei o meu galpão pra fazer isso foi meio estúpido eu admito, mas o teto móvel fez algo parecido como uma chaminé de uma lareira. Eu disse lareira? Desculpa, quis dizer fogueira... humana, pra ser mais específica.

O homem a minha frente fez algo que para muitos vai ser difícil de entender, eu sei, eu não conseguia entender no início também. Mas quando acontece com você... você desiste de entender e faz o que sua cabeça manda. Com certeza já morto, pego o extintor e vou apagando o resto que ainda pegava fogo. Depois de suspirar do cansaço, deito o homem no chão com plástico e começo a remover sua arcaria dentaria, eu tentei fazer isso enquanto ele estava vivo, mas o desgraçado tentava me morder, então desisti, mas fiz ele sofrer da mesma forma.

Depois de usar o mesmo plástico para embrulhar o corpo, tiro uma foto antes, usando uma kodak printomatic, o que chamamos hoje de polaroid ou foto impressão instantânea. Ainda não sei o porquê de fazer, mas lembro que desde pequena fui fotografada quando fazia algo que meus pais gostavam, mas fazer algo que eu gosto merece ser lembrado mesmo. Ainda não sei para onde enviar essas fotos ou se apenas mantenho comigo para me lembrar... talvez seja só para isso mesmo.

Balanço o pequeno papel para fazer a mágica da impressão, olho para o corpo cremado e duro como pedra, olho para meu relógio que marca quatro e quinze da manhã. Apenas três horas para a minha aula começar, nada de dormir, apenas terminar isso aqui e correr para me trocar. Graças ao meu eu do passado encontrei esse galpão a venda no meio da floresta, no início achei que tinha desperdiçado dinheiro, mas sabia que eu subconsciente iria me surpreender. Uso ele agora para fazer o que eu faço de melhor, depois é claro da minha primeira paixão, que é dar aula.

Abro a pequena porta do galpão para fazer a verificação do local, nenhum enxerido, menos trabalho. Abro a picape colocando dentro do carro mesmo. Demorei quase uma hora para deixar o corpo no outro lado da floresta, e antes de deixar o corpo no lugar que eu quero, ainda tenho que caminhar com ele para não deixar as marcas de pneus na trilha. O maior trabalho que tenho é de fazer um buraco na vertical, não faço ideia do porquê ainda faço assim, mas uma vez fiz na horizontal e a polícia meses depois encontrou, então meio que não duvidei da sorte e nunca mais vou tentar.

Olho novamente para o relógio e já estou atrasada, não para a aula começar, mas para me organizar. Já são seis e quarenta, me atrasei demais com esse cara, em vez de mata- ló de uma só vez, ainda tive que usar todo o meu charme para que ele entrasse no carro. O idiota se achava o gostosão, vamos ver quem vai gostar do seu rosto agora. Depois da longa caminhada já dentro do carro, retirei minhas luvas cirúrgicas com cuidado e coloquei dentro de um pequeno saco plástico, suspirei tirando os pingos de suor da testa. Voltei para a estrada na direção do meu apartamento. O caminho era longo e tive que acelerar para não me atrasar no primeiro dia de aula dos calouros.

Meu apartamento ficava no centro da cidade de Ottawa aliás, aqui no Canadá as coisas se encaixaram para mim, assim como esse apartamento luxuoso, e de fato muito caro, mas o salário da universidade paga bem. The Carlisle me fez mudar de ideia de ter uma casa, um apartamento onde não tem barulho me incomodando enquanto programo as aulas do dia seguinte, um apartamento onde nenhum vizinho me conhece, e é isso que eu quero. Chego correndo no elevador depois de estacionar o carro, vou direto para o banheiro assim que chego no quarto. A água quente naquele frio quase me fez faltar a aula, mas como eu adoro esse início de ano, amo ver os alunos ansiosos para ver quais matérias e assuntos vão administrar. Tudo feito, botas trocadas e limpas, pego apenas um copo de café e vou para a universidade.

A Carleton, é meu hobby favorito, amo dar aula eu já disse, mas vim para a universidade depois das noites passadas é emocionante. É como se nada pudesse me parar e nem vai, é como se ninguém desconfiasse e não vão, não sou desequilibrada, tive momentos de crises no passado eu admito, mas nada como uma terapia e chá não resolvam. Como sempre na sala B7, muitos alunos agitados procurando seus lugares ideais, conversando alto e fazendo possíveis novas amizades. O projeto em que a sala foi feita deixa as conversas ainda mais alta, era uma sala no estilo cinema, toda a universidade foi projetada assim.

—Bom dia a todos, bem-vindos a Carleton, sou a Emma Myers, a professora de História medieval de vocês. Parece que vamos ficar juntos por um período inteiro, então só o que eu peço é silêncio e se tiver alguma pergunta, por favor façam, já vamos começar com o início da disciplina que é idade das trevas.

Após o barulho ir morrendo aos poucos, começo a ouvir os cadernos sendo colocados sobre as mesas assim que começo a escrever no quadro. E ainda de costas continuo falando o básico do que vamos tratar nos assuntos.

—Começaremos com o que é a idade média, depois vamos passar para...

Sou interrompida com o abrir estrondoso da porta, fazendo todos olharem assustados. São pelo menos seis pessoas segurando pequenas metralhadoras e gritando algo como "bem vindos a car-car-carleton idiotas", seguido de vários tiros de bolinhas de tinta voando por toda a sala e atingindo todos os alunos. Passaram quase três minutos tentando acertar todos e só o que eu podia pensar era "de novo não".

—Achei que vocês iriam inovar esse ano— Digo para um dos alunos que se autodenominava "Chefe do ano".

—Estávamos com o dinheiro apertado ano passado, mas no próximo a senhora pode esperar.

Ele me disse rindo e saindo da sala com os outros cincos. Olho para os alunos encharcados de todas as cores de tintas existentes.

—Não se preocupem, não é permanente, ela sai com água quente— tranquilizo a todos antes de voltar ao quadro e seguir dando minha aula com todos do mesmo jeito.

Os trotes na Carleton não são frequentes, eu até gosto de alguns como esse, alguns são criativos e dependendo do "chefe do ano", podem até ser maldosos demais, mas nunca passa dos limites.

Como é o primeiro dia de aula e o primeiro de muitos trotes pelo ano, decidi terminar a aula as onze e meia. Quase na hora do almoço, decido voltar ao meu apartamento e preparar qualquer coisa. No caminho dentro do carro, escuto na rádio sobre uma onda de desaparecimentos e um alerta para pessoas que andam em bares, não especificaram que tipo de desaparecimentos são esses, então não tinha que me preocupar com isso. Aqui no Canadá, a taxa de crimes é bem mediana, principalmente na Capital, mas mesmo assim não é um paraíso ruim.

Tranco a porta do meu apartamento e vou direto para a cozinha deixando minha pasta em cima da mesa. Passo o resto do dia descansando e esperando... Ainda não sei o que espero, talvez a porta do meu apartamento sendo derrubada por uns seis ou sete policiais ou simplesmente uma batida na porta do meu... pai.

Ele ainda é vivo, é claro. Mas faz tanto tempo que eu o vi.

Abaixo a cabeça tentando desviar os pensamentos nostálgicos e tristes, apenas ligo a tv e me deito no sofá, tentando adormecer vendo as notícias do clima. Início de ano é sempre assim, frio.

Nota da autorª: Eu disse que não ia fazer mais fic, então toma minha segunda fic aí. Só uma dica pra vcs sobre essa estória, a leitura é lenta e melancólica dependendo do personagem, e dependendo do personagem é rápida e estressante, então boa sorte(não, não tem "pov de personagem")

A Impiedosa que saiu da Caixa de Pandora (Jemma)Onde histórias criam vida. Descubra agora