2. Certain things.

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Eu tive um filho que se chamava Daniel... Infelizmente a vida o tirou de mim quando ele ainda era jovem. – Antônio dizia cada palavra olhando fixamente para Irene. Ela sentia sua carne tremer por inteiro e um turbilhão de sentimentos tomando conta de todo seu corpo, a mágoa em sua voz era gritante e parecia sufocá-la.

Irene não sabia se aguentaria por muito tempo aquele teatro de fingir que eram outras pessoas. O ar já não passava mais por seus pulmões como deveria e ela sentia que a qualquer momento vomitaria. Eles nunca mais se viram depois daquela briga. Ela sabia que não teria volta, mas ainda assim deu um jeito de ter notícias dele. Foi um enorme baque quando descobriu que ele havia sido morto por tiros a queima roupa na frente da Igreja e consequentemente na frente de todos daquela maldita cidade. "Aqueles canalhas hipócritas devem ter comemorado tanto...", pensou. Ela se perguntou como Antônio havia escapado da morte e como ele estava ali, na frente dela.

— Sinto muito, Pedro. Nem posso imaginar a dor de perder um filho. Daniel é o nosso primeiro filho e só de pensar, já é desesperador. – Irene engoliu em seco com a fala de seu novo marido.

"Seu primeiro, não meu."

Daniel e Petra nunca saíram do fundo de sua mente e aquela fala a atingiu em cheio, ainda mais sendo dita na frente dele... O homem que foi o pai de seus filhos por 30 anos, e continuaria sendo para sempre. Ela sentia falta de seus filhos todos os dias e fosse honesta consigo, aquela grande mentira que agora ela chamava de "vida" era apenas uma tentativa falha de tentar preencher o grande vazio que perder sua família havia deixado. Não havia um único dia que não pensasse em Petra.

Irene sempre sentiu a necessidade de ter algo seu para amar. Quando jovem, nunca teve nada que fosse verdadeiramente dela. Sua mãe era apenas uma pobre coitada que fazia o que podia para tentar mantê-los, uma mulher quebrada e infeliz. Seu pai era apenas um desgraçado que ela nunca respeitou, nem sequer podia chamá-lo de pai, pois ele nunca agiu como um. Mais tarde, cuidou de seu único irmão como se fosse seu filho, mas ele não era seu e anos depois se mostrou ser um monstro pior que seu próprio pai. E quando encontrou um homem que estava disposto a se casar com ela e assumir seu filho, que ela desesperadamente desejou que fosse só seu, teve que carregar o fardo de que o coração dele já pertencia a sua primeira esposa. Teve seus próprios filhos e com os erros da vida, acabou perdendo os dois que também nunca foram totalmente dela, pois preferiam estar na companhia de qualquer um ao invés da dela. E o que supostamente seria seu primeiro neto, ao qual ela amou como parte de seu filho morto, mais tarde descobrirá que ele também não era dela.

Ela sempre fez de tudo para tentar segurar sua família, pois foi a primeira vez que ela realmente teve uma para chamar de sua. Eles não eram perfeitos, eram como um grande vazo de cristal trincado prestes a romper a qualquer momento. Ao longo dos anos, foram-se criando rachaduras à medida que as coisas foram acontecendo. E no fim, tudo se quebrou para sempre. Ela tentou por anos manter uma linda fachada, como se maquiar cada situação trágica dentro de casa fosse manter tudo no seu devido lugar, mas infelizmente algumas coisas não têm concerto e ela aprendeu da pior forma. O apego que Irene sempre teve sobre as coisas quase a levou a loucura.

Quase...

Alex aconteceu em sua vida de uma forma rápida e inesperada. Ela apreciava estar com ele, gostava da segurança, estabilidade e vida confortável que ele lhe proporcionava. Ele foi como uma luz no fim do túnel, um colete salva vidas para que ela não se afundasse de vez no oceano profundo e escuro ao qual estava à deriva. Ela nunca soube como viver sozinha e nunca precisou, pois sempre encontrou meios de nunca deixar a casa vazia. Irene precisava ter algo ou alguém para se dedicar. Ela acreditou que seria fácil se apaixonar por ele, mas conforme o tempo foi passando, não aconteceu. Alex passou a não ser mais suficiente para ela e ela precisava de mais. Foi então que ela sugeriu a ideia de adotarem uma criança. Só assim ela conseguiu se sentir menos vazia e encontrou um novo propósito, "fazer tudo diferente desta vez". Irene sabia que um filho jamais substituiria outro, mas o amor de mãe foi a alegria mais genuína que ela já havia sentido na vida e ela não renunciaria a isso, queria viver isso de novo.

memory - antoreneOnde histórias criam vida. Descubra agora