6| Posso te beijar?

301 29 7
                                    

Dentro da caverna de rochas, o silêncio reina enquanto pensamentos voam longe. Nenhum ousa olhar para o outro, como se este simples gesto fosse fazer tudo desmoronar. Shadow cogitou ir embora durante todo o tempo, mesmo sabendo que seria soterrado ao dar nove passos fora dali. Ia doer ficar congelado então reprimiu os pensamentos de fuga. Evitaram conversar para não mergulhar tanto um no outro mas aquelas falas precedentes criaram raízes em suas mentes, estão entre contemplar o alívio de contar o que sentem e o constrangimento de algo que não queriam ter revelado.

O sol ainda se levanta no horizonte. Sentados de costas um para o outro, dessa vez com apenas o crepitar das chamas no centro do abrigo como uma distração sonora. O escuro predominante traz uma noite artificial, graças a rocha extra que foi colocada na abertura para evitar correntes de ar gélidas e possíveis invasões de Caterkillers.

Difícil mensurar o quanto o Werehog torceu para aquilo tudo ser um sonho estranho mas conforme as horas passam e nada de acordar, sua mente fortalece a idéia de procurar um abrigo só para si. Estava mesmo sem chão. Não queria negar o que disse, isso lhe dá uma sensação ruim, como se estivesse fugindo ao invés de agarrar a oportunidade. Estaria fugindo do quê, exatamente? Ele não tinha feito nada de errado. Mas também assumir e assimilar tudo ainda o deixa tão atordoado, nem Eggman com suas bolas de demolição xadrez conseguiria tal façanha.

Ainda acomodado no pedaço de tronco caído, Shadow vira para o lado contrário. Encara tufos de espinhos remanescentes no meio da pelagem mais densa.

"Congumelo maldito. A esmeralda não pode ter feito isso", Shadow resfolegou antes de dizer:

- Você me lembra ela.

Silêncio por meio minuto. Sonic volta a si, ainda meio atônito.

- Uh? Quem? - o Werehog se vira para a origem da voz. Acomodado em uma pedra, agradeceu internamente pela pelagem extra que o mantém tão aquecido ou deveria dividir o caule com o outro. Se apruma ao ver o rosto sereno de Shadow, podia jurar que ele voaria em seu pescoço cinco minutos atrás para um total destroçar por dizer coisas tão embaraçosas a seu respeito.

- Me lembra Maria. Quando sorri... é como se ela estivesse aqui. - Shadow respira fundo, dá de ombros. - Tudo o que eu disse... é verdade. Ainda não sei como isso foi acontecer.

- Eu, uh. Também disse a verdade - Sonic massageia a nuca, tentando pensar no que mais queria ou deveria dizer. - Sabe o que fazemos agora? É a hora da gente ficar juntos.

Em uma atitude ousada, o Werehog se levanta e segura as mãos de Shadow perto de si. O ouriço as retira de imediato.

- Ouch! - Sonic abaixa as orelhas, o gesto doeu mas não iria desistir, isso não está no seu dicionário, respira fundo e não se afasta. - Vai me dizer que está com medo do que os outros vão pensar?

O que os impede afinal? Atrás de todos os socos trocados, todas as vezes em que lutaram lado a lado, as vidas que salvaram, a ardorosa rivalidade conhecida, tudo escondia sentimentos difíceis de admitir.

- É real, Shadow. Você prefere ser meu rival pois é a única coisa que pode ser sem ninguém te condenar tanto. Mas tenho mais uma verdade para te contar: não importa se te julgarem mal por isso, você pode ser feliz com quem quiser.

Shadow, ao se levantar do tronco, mantém o olhar erguido para Sonic que ainda é um cara grande, em todos os sentidos, com ou sem toda aquela aparência de lobo feroz. Um lobo assustador adquirindo aura gentil ao prosseguir com seu discurso.

- E ser até meu amigo fosse demais depois de tudo o que passou, essa distância toda pode ser medo de perder mais alguém que ama... Te mostro todo dia que não deve mais se preocupar tanto com isso, pode falar para o medo ir embora. Estou firme ao seu lado.

- Sonic...

Palavras se perdem no caminho para a língua, boca, mente, ninguém sabe ao certo se ainda é fruto do congumelo. Sonic estende a mão e, hesitante, Shadow a segura. Com um puxão, Shadow é colocado contra o peito macio do lobo. A surpresa inicial do ouriço negro se dissipa aos poucos. Se perdem na sensação boa do abraço apertado. No dia anterior, agora parecendo tão distante, um passava pelo outro atrás de ganhar uma competição de snowboard e hoje estão tão próximos a ponto de sentir a neblina da respiração misturada.

É claro como o breu pode ser testemunha das primeiras vezes. Pela primeira vez, a reclusão permitiu lados ocultos virem a tona. Pela primeira vez, vem o desejo de se aconchegarem de uma forma que nunca se aconchegaram antes. Pela primeira vez, a ternura no olhar foi cada vez mais implorada. Tudo resulta em dois focinhos unidos. No encontrar de lábios, o calor emanado vai aumentando pouco a pouco, o coração vai disparando, as mãos perdem o contato da razão e se aventuram com desespero pela extensão do corpo um do outro.

- SONIC!

Ambos se afastam assustados, se perguntando se aquilo realmente aconteceu. Por um segundo, temeram serem vistos. Tails, no megafone, havia barrado a confusão de mãos passeando por onde pudessem alcançar e o beijo mais quente do que qualquer cachecol que porventura possam ter.

- Valeu, Tails!

Sonic agradece depois de receber a encomenda do amigo, se despede com um aceno e arrasta o caixote para o abrigo.

- Vamos ver o que temos aqui... cachecol, manta, oh! Estão quentinhos!

Uma lancheira fumega com chilli dogs. Há outros alimentos, água, benditas baterias para o comunicador, novos e velhos quadrinhos também não ficaram de fora do kit, algumas edições do Flash entre outras revistas em quadrinhos foram colocadas, sacos de dormir, travesseiros. Enquanto se organizam como podem ao redor da fogueira, lá fora, longe dos olhos de qualquer um que não sobrevoa nuvens naquele momento, a noite já desponta com um mar de estrelas. Longe dali, o grupo de amigos se dispersa, alguns ainda em dúvida se a ajuda prestada foi suficiente.

Amor de WerehogOnde histórias criam vida. Descubra agora