Appetence

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Appetence: Um desejo ansioso ou inclinação instintiva; uma atração ou vínculo natural.

É preciso que eu conte. Meus dedos, a ponta da língua, tudo formiga. Antes que não haja mais tempo, é preciso que eu conte. Mesmo que ninguém, até mesmo você, acredite. Fechar os olhos, unir as palmas diante de minha face e pedir não seriam o suficiente para que isso fosse real. É preciso contar. Só assim, somente assim, não vou afundar.

Quero te contar o início, que é o certo em qualquer história, mas olhando para trás, não sei se realmente houve um. Talvez o fim tenha sido o nosso começo.

Devo confessar que quando meus pés pisaram naquele lugar pela segunda vez, eu já sabia. Alguma coisa em mim sabia.

No princípio, tudo era escuro. Então veio o branco, as espumas, o mar azul, o horizonte alaranjado e depois. Depois...

 Lisa, onde que você se meteu, porra? ㅡ Rosé praticamente grita do outro lado da linha, sua voz tentando se sobressair ao barulho em volta de si.

- Precisa gritar assim? Não sei se você lembra, mas é minha segunda vez nesse lugar. - Estou apertando o celular contra a orelha com força, tentando escutar melhor, mas o ruído das pessoas transitando ao redor não ajuda.

O sol brilhava de forma amena no céu naquele horário, um vento quase violento agitava as árvores (que eram muitas, por sinal), tentando a todo custo arrancar algumas folhas de seus galhos. Mas era primavera. Era inútil; tudo tinha renascido. Ali, numa das entradas principais, que dava acesso ao prédio de Direito, encarei o banner gigantesco, em azul, com as letras brancas anunciando "Sejam bem-vindos, calouros! Jeju aguarda você! Fighting!". Bufei baixo porque, enquanto as pessoas transitavam pelas ruas que conectavam os outros prédios da Universidade Nacional de Jeju, me sentia perdida e sufocada porque era minha segunda vez ali e nem mesmo as belas cerejeiras pareciam amigáveis. E pra piorar, insatisfeito por não ter derrubado quase nenhuma folha, o vento bagunçava meu cabelo, com alguns fios ameaçando entrarem na minha boca enquanto tentava falar com Rosé no telefone. Devo estar tão charmosa assim.

Rosé. Minha veterana de História. Alta, rosto sereno, nariz elegante, sobrancelhas bem definidas e olhos cativantes. E principalmente: loira. Não éramos tão próximas, mas ela devia estar me esperando na entrada do campus como diz o roteiro, né? Dessa vez não. Era essa coisa dos sunbaes cuidarem de seus hoobaes. A hierarquia tinha que me ajudar pelo menos uma vez na vida.

Só que Rosé, prestativa e extremamente popular como era, se envolveu - óbvio que se envolveu - na organização da acolhida aos calouros (eu e mais sei lá quantos coitados que decidiram ingressar nesse curso) e todo o caos de início de semestre já tinha aparentemente se instaurado quando algum trote deu muito errado e ela tivera que ir resolver, me deixando a Deus-dará para encontrar o bloco em que vou estudar pelos próximos anos.

- A calourada já vai começar. - disse Rosé enquanto alguém iniciava o que parecia ser uma discussão ao fundo. - Olha, não tem dificuldade, você tá na entrada, certo? Então você- Ei! Larga essas fitas! Foram caras! - não pude evitar revirar os olhos. Não era tão paciente quanto gostaria. - Desculpa. Enfim, continuando, por enquanto estamos alojados no segundo andar do prédio de Direito. Você vai saber qual é porque se destaca, estilo neoclássico e tudo mais. Pra chegar até ele, você pega sua esquerda, sobe as escadas e depois o corredor à direta. Sala 27.

ㅡ O prédio de Direito? Eu sei qual é. Senhor, eu tava seguindo reto há 30 minutos. ㅡ Sei que não é exatamente culpa dela e tento não ficar irritada, mas dá para sentir o tom quase agressivo na minha voz. ㅡ Agora vou ter que pagar todos os meus pecados indo por essa escada!

SEMPITERNOOnde histórias criam vida. Descubra agora