– Coma – ele ordenou, mas ela não tocou nos talheres. À sua frente, a criança obedecia, com olhos suplicantes.
– Por favor – a menina sussurrou, mas ela não lhe deu ouvidos. Em vez de pegar o talher, pegou a taça de vinho e a levou aos lábios.
O salão era iluminado pelas chamas que vinham da energia dele. Ela sabia que Luc não precisava de palavras, nem de tochas ou velas. Por pura vontade, as chamas iluminariam onde estivesse. E, caso desejasse a escuridão, esta também encobriria toda a terra.
Pelo menos, era o que ela pensava.
Ainda não havia visto uma luz que conseguisse se manter acesa, caso o humor do líder não permitisse.
Era assim que os filhos de Babakur o chamavam, O Líder.
Ela se recusava a tratá-lo desta forma.
– Coma – ele repetiu, visivelmente irritado. Depois, afastou os cabelos negros, concedendo: – Sei que está com fome.
– Você não sabe nada sobre mim – ela rebateu. Em seguida, sussurrou para si mesma: – Ninguém sabe.
– Não é verdade – ele partiu um pedaço de carne, enquanto uma filha de Amadum, usando um vestido que deixava os seios à mostra, o serviu de mais vinho.
Era sempre assim ao redor do Líder: os filhos insistiam em servi-lo, as mulheres ansiavam pelo colo dele, os homens lambiam suas botas. Tudo aquilo a enojava. Luc dizia que era assim que um povo feliz tratava seu soberano, porém ela não conseguia acreditar naquilo. No entanto, todas as lembranças do que conhecia de felicidade pareciam ter fugido da mente.
Luc bebeu um gole de vinho, enquanto a outra mão deslizava pela coxa da mulher que o servia. Ela observou tudo aquilo sem dizer uma palavra. Não entendia por quê, mas não gostava do que via.
A menina mal o encarava, concentrada em manusear os talheres de prata, pesados demais para suas mãos pequenas.
Sustentando o olhar dela, ele afastou a cadeira, puxando a mulher para o seu colo. Ela abriu as pernas e os dedos de Luc se perderam entre elas. Ela quis desviar o olhar, mas não daria a ele este prazer.
A mulher se recostou contra o peito de Luc, empinando os seios. Assim como a maioria das recém-chegadas, ela tinha cabelos cor de fogo, olhos negros que brilhavam como estrelas e a pele alva.
O Palácio Afogado, onde estavam, trazia muitos desenhos antigos nas paredes rachadas. A maioria deles exibia um povo exatamente com essas características. No fundo da mente, ela se lembrava de, um dia, ter tido uma amiga com cabelos ruivos como aqueles. Mas, sempre que tentava se recordar do nome dela, a lembrança fugia.
Quando a mulher gemeu, ela decidiu que precisava fazer algo.
– Saia daqui – mandou para a menina.
Uma lágrima escorria pela bochecha da garotinha que não precisou de uma segunda ordem. Abandonando o prato quase intocado, ela correu como pôde pelo salão. Sabia que a garota estava escondida atrás da parede, porque o barulho das correntes que a controlavam havia cessado muito rapidamente. Mesmo assim, a defendeu: – Este não é o comportamento para se ter na frente de uma menina.
– Ela não é apenas uma menina e você já sabe disso.
Ele estava correto, assim como tudo o que dizia. Ela tinha pelo menos cinco anos de memórias e, por mais que o tempo passasse, a menina tinha sempre a mesma idade. Sete anos. Se os anos corressem normalmente para ela, deveria ter, ao menos, doze anos.
– Tem a cabeça de uma criança, de qualquer forma – apostou. Tudo que ela dizia era uma aposta. Não tinha certeza de nada, além dos próprios sentimentos.
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O Portal IV - Fios de Alim - Degustação
FantasyLANÇAMENTO EM 21 DE OUTUBRO DE 2024 NA AMAZON Cinco anos se passaram desde que a terra se abriu e, no lugar da Torre do Arzhel, não sobrou nada além de cinzas e uma fenda de morte, o Abismo da Rani. Noa Rariff é Raj e Kral, dois soberanos em um, mas...