・:*:・゚★,。・:*:・゚☆ 。II. CORVOS・:*:・゚★,。・:*:・゚☆

35 1 0
                                    


Sundale é uma cidade pequena, dessas que todos devem mesmo saber da sua vida. Fiz questão de reduzir a velocidade, não apenas para evitar alguma multa, como também para poder reparar as construções. Conforme passava pelas pessoas, eu sentia que todos reparavam o meu carro, como se soubessem que eu era uma recém-chegada.

Havia muitas coisas com o nome Youssef, desde um posto de gasolina até lojas de conveniência. Youssef também era o nome gravado na pirâmide que eu vira logo que adentrava a cidade, pouco depois de um corvo bater contra o para-brisa do meu carro. A maioria das casas era simples, mas todas construídas com madeira. A maior parte rodeada por jardins convidativos e tinham pintura nova. Apesar de ser quase fim da primavera, Sundale parecia ter parado no outono, com árvores sem folhas e galhos vazios balançando com o vento uivante.

— Você precisa de um banho e de cama, Mahana.

O GPS me guiou até o outro extremo da cidade, onde ficava o pequeno e singelo chalé que a escola havia alugado para mim. Era um bairro apenas de chalés, tão graciosos quanto as demais casas. Era pequeno suficiente para eu não me sentir sozinha, como acontecia nas últimas semanas, quando ainda morava só na imensa casa minha e de Robert.

Parei com o carro em frente ao número que me deram. Após puxar o freio de mão, eu desci do automóvel. Suspirei profundamente, vislumbrando uma etapa nova da minha vida. Eu me sentia como em um filme de comédia romântica, porém era similar apenas início da vida nova em um chalé. Não havia graça para ser uma comédia e nem um romance para ser romântico.

As chaves estavam no fundo da bolsa e me irritei levemente por não conseguir encontrá-las facilmente. As nuvens do céu começavam a ficar carregadas e um chuvisco caia, me gerando certa ansiedade para alcançar o molho com as benditas chaves.

— Droga* de chaves! — Murmurei apressada.

Finalmente palpei algo gelado dentro da bolsa e o tilintar do molho de chaves me fez suspirar aliviada. Antes de entrar, um gorjeio me deteve: era um corvo que acabava de pousar sobre a janela da pequena sala do chalé. Ele gorjeou duas ou três vezes e me encarou, causando arrepios.

— Vai, vai embora! — Eu disse batendo o pé e as mãos para afugentá-lo.

Logo o pássaro abriu as asas e saiu em um voo suave para longe. O arrepio frio que eu sentia dissipou-se vagarosamente e eu pude relaxar dentro do meu casaco de crochê.

~*~

O chalé parecia maior por dentro. Já estava escuro, então eu precisei acender as luzes. O primeiro interruptor não funcionou. Nem o segundo perto da cozinha e ou o do quarto. O jeito seria procurar um painel de disjuntores. Certamente haveria uma chave central para acionar.

Deixei a minha mala na sala e mantive a lanterna do celular ligada para não tropeçar em nada. Quase gritei ao ouvir passos atrás de mim, e rapidamente apontei a luz da lanterna para onde achei que tivesse visto uma silhueta. Mas não passava de um cabide onde estavam pendurados um casaco e um chapéu. Provavelmente haviam sido esquecidos por outros moradores.

— Como você é boba, Mahana. Não há nada ali, garota.

Diferentemente do que imaginava, o tal painel central estava no pequeno almoxarifado entre a cozinha e a sala e não na cozinha. Ao menos estava certa quanto a chave central. Bastou acioná-la para tudo iluminar-se dentro do chalé.

Apesar do cheiro de coisas guardadas e poeira, a mobília estava bem conservada. Era admirável a tv de plasma pendurada logo acima da lareira. Havia uma lareira, o que me deixou muito animada. Eu sabia que ao sul do país fazia muito frio no inverno e uma lareira seria bem útil (ao menos quando o inverno voltasse, já que a primavera acabaria em um mês para o verão nos fazer suar).

A decoração era charmosa, com sofás antigos, mas de estofados de couro marrom em ótimo estado. Os tapetes eram persas e logo imaginei que passaria algumas horas da manhã seguinte com um aspirador para limpá-los. As cortinas das janelas eram de um véu que calculei terem sido brancos algum dia. Talvez eu fosse a lavanderia tentar resgata-las também, remover o amarelo velho.

Precisava conferir o quarto, era o mais importante. Estava temerosa de talvez não me agradar tanto quanto o da casa anterior. Mas para o meu alívio, era melhor do que esperava.


~*~

Logo de início avistava uma cama Queen size e um imenso mosquiteiro a cobria, algo que me lembrava muito aos aposentos de reis e rainhas. Ok, mas com muito menos 'glamour'.

O cômodo era pequeno, porém igualmente aconchegante como tudo dentro do chalé. A cômoda de mogno ao lado da cama me pareceu suficientemente espaçosa para caber as poucas coisas que eu tinha.

E por fim, mas não menos importante, a cozinha. Era a parte mais minúscula de tudo ali. Cabia um pouco mais que o tamanho do meu quadril em largura. Na bancada havia um fogão elétrico de duas bocas e um micro-ondas desligado ou quebrado. Puxei a tomada do micro-ondas e o liguei. Quase dei um pulo de alegria ao ouvir o 'bip' e a luz azul na tela do aparelho se acender.

Funcionava muito bem.

Enquanto abria a torneira da pia para verificar se saia água, um novo gorjeio me fez dar um leve grito. Outro grito, para variar. Acho que havia me assustado mais em Sundale do que no restante da minha vida pregressa.

Na janela acima da pia, estava um corvo. Eu não sabia se era o mesmo corvo de quando eu chegara. Tentei espantá-lo. Mas desta vez a ave me ignorou e continuou parado me olhando com toda a firmeza. Os olhos dele me causavam mais arrepios que antes e uma onda friorenta percorreu cada parte do meu corpo, me fazendo ficar encolhida dentro do casaco de crochê mais uma vez. Eu não era capaz de desviar o olhar, estava como sob hipnose fitando aquele pássaro sinistro. Para meu alívio, ele gorjeou duas outra vezes e levantou voo sumindo na escuridão da noite.

Rapidamente tranquei as janelas que pude além da cozinha e fiquei um tempo inspirando aliviada, como se tivesse acabado de escapar de algum animal feroz.

— Era só um corvo, Mahana. Um corvo. Você precisa de um banho.

NOTA: Mais alguém ficou com medo?

ANOITECEROnde histórias criam vida. Descubra agora