XXXV. RECEBO VISITAS

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A chuva logo começou a cair. Uma chuva calma, porém forte o suficiente para deixar córregos no meio fio em direção aos bueiros da rua. A árvores do lado de fora balançavam e mais folhas se desprendiam com o vento.

Mamãe me ligou no exato momento em que eu riscava uma seta com todos esses tópicos e escrevia Asaloom, como o grande denominador comum de todos esses pontos.

— Como vai, mãe?

— Estou bem. Comecei yoga na semana passada.

— Ah, legal.

Eu não estava com muito ânimo.

— Mas te liguei para saber sobre o rapaz que foi encontrado morto* aí.

Era tudo que eu precisava: da minha mãe pilhada com aquilo. Pior seria se ela soubesse que eu fui uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. Omitiria isso dela?

Claro que sim!

— Como soube?

— Internet, meu bem. Mudei minha localização no celular para Sundale. Assim o Google me filtra todas as notícias da sua região na tela inicial do site. Se chama algoritmo.

Eu ri.

— Quando ficou tão tecnológica e eu não soube?

— A partir do momento em que minha filha decidiu morar a trezentos quilômetros de distância de mim.

— Certo. Mas não se preocupe, está tudo bem.

— Não sei. Tenho maus* pressentimentos.

— Não surta, mãe.

Na verdade, mamãe disse "maus* pressentimentos" bem no momento em que eu circulava o nome de Asaloom com a caneta. Estalei a língua impaciente e deixei a caneta sobre o papel. Se juntassem as paranóias da mamãe com as minhas, eu com certeza precisaria de umas gotas de Rivotril para dormir.

— Eu tô falando sério, Mahana. Cidades pequenas como a que você está, tendem fortemente a ter serial Killer a solta.

— Uhum... o estripador* de Sundale. Claro, Mãe — Disse rindo.

— Mahana, não brinque com isso. Dá para tomar cuidado, pelo amor de Deus?

— Mas eu estou tomando.

O que era uma bela de uma mentira. Mas falar a verdade para minha mãe às vezes era a pior coisa a se fazer.

— Coração de mãe não erra. Eu liguei porque senti que você estava precisando.

— Ah, que amor!

— É sério, filha, eu sinto sua falta. Mas sei que está aí pela sua carreira.

— Em breve eu vou te visitar.

— Alguma data?

— Hum, eu acho que terei férias daqui a quatro meses.

— QUATRO MESES?????

— Tô brincando! Acho que haverá um feriado prolongado mês que vem. Vou aproveitar para ir ver você.

— Ufa. Eu já ia surtar.

Para variar, pensei.

— Bom, estou indo para minha aula de zumba. Qualquer coisa, lembre que eu existo, Mahana.

— Pode deixar.

— Pode deixar — ela me imitava com certa irritação — Se eu não ligo você não falaria comigo.

— Ok, eu vou ligar mais vezes.

— Ótimo. Fica com Deus ou sei lá no que você acredita.

— Amém.

A chuva havia dado uma diminuída. O tempo parecia ótimo para fazer um bolo de laranja e eu aproveitaria as que sobraram da última vez que fiz um.

Já conseguia preparar aquela massa de olhos fechados. Em vinte minutos a colocava para assar no forno a cento e oitenta graus.

A campainha tocou enquanto lavava o copo do liquidificador. Sequei as mãos no pano de prato para atender a porta.

— Oi, professora!

Violet sorria para mim, com um ânimo totalmente restaurado. A pele corada e os lábios levemente hidratados com algum tipo de gloss. Ela estava com uma vasilha em mãos.

Lá no jardim, parado com um guarda-chuva, avistei Asaloom. Roupa preta como sempre. Mas desta vez usava um sobretudo também. Preto, claro.

AsaloomOnde histórias criam vida. Descubra agora