XXX. UMA CONVERSA ESTRANHA

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Eu pensei por alguns segundos, decidindo se valeria a pena retrucar ou não. Afinal, dependendo do caminho que aquela discussão terminasse a minha visita a Violet seria uma tarefa complicada. Mas eu optei por retrucar:

— Você ainda é um estranho e veja só, estamos no seu carro. Nada te impede desviar o trajeto; me matar* e depois desovar o meu corpo em uma represa.

Asaloom desviou o olhar rapidamente para mim, e foi a primeira vez que o vi sorrir de maneira descontraída. A sua bochecha tinha covinhas. Covinhas, algo que contrastava totalmente com a fisionomia sombria dele. Eu falava algo que Asaloom achou engraçado.

— A represa mais próxima de Sundale fica a trezentos quilômetros. Há maneiras mais simples de desaparecer com um corpo.

— Hum, se você diz.

Acredito que isso tenha sido o mais próximo de uma conversa descontraída que mantive com Asaloom Youssef.

— De todo modo, tome cuidado. Comigo e com qualquer um por aqui. Você é ingênua, Mahana. Não acho que seja má* pessoa, apenas um pouco irresponsável.

Eu refletia sobre a fala dele. Me causava um desconforto sobre a maneira como ele me lia e como se quisesse passar a impressão de ser um grande conhecido meu, que estaria no direito de me dar conselhos. Odeio admitir isso, mas Asaloom soava como um pai.

— Estranho...

— O que é estranho?

— É que achei que você tivesse dito que eu era o problema para Sundale. O perigo para cidade, entende? E não que devesse me preocupar com malfeitores* por aí. Posso até jurar que ao invés de me odiar, você está preocupado comigo.

— Querer você fora de Sundale e alertá-la sobre gente mal* intencionada não são fatores auto-excludentes. E sim, eu me preocupo com garotas que vêm de muito longe para uma pequena cidade e acham que estão seguras.

Asaloom tinha uma maneira polida de falar as vezes, mas sem soar soberbo. Exceto pelo modo protetor impresso em sua fala naquele momento.

O último acorde de Total eclipse of the heart tocou e o locutor da rádio começava a fazer anúncios. Foi o momento em que o farol do carro iluminou a propriedade de Asaloom. Já havia estado ali antes — fisicamente — e ainda assim me deslumbrava com a imponência da construção.

Me recordava bem da sala e de Asaloom. Um vasto espaço muito bem decorado com móveis tão antigos quanto o seu carro, mas em ótimo estado, como se tivessem acabado de ser comprados. O ambiente tinha um odor fresco de pinho. A lareira estava acesa e ouvia a madeira estalando enquanto pegava fogo. O ar quente lambeu* meu rosto gelado, causando uma sensação agradável.

— Quer subir para vê-la?

— Claro.

Eu deixei a minha bolsa sobre a poltrona de couro marrom.

Segui Asaloom pela imensa escadaria, com degraus cobertos por carpete, que absorviam o som dos passos. O corrimão era de uma madeira bonita envernizada, que cintilava com a luz. O último degrau ficava a uma altura considerável e pensei que cair dali não seria nada agradável.

Porém, assim que os meus olhos vislumbraram o corredor, as pernas tremeram. Outro dos meus insights. Eu estava familiarizada com aquele corredor, e nunca estive ali antes, exceto em meus sonhos lúcidos. Ou eu acreditava que sim. Quais as chances de eu sonhar com um ambiente idêntico àquele?

Primeiro a colina atrás da casa, agora o corredor.

— Algo de errado? — Asaloom parou em frente a porta do quarto que deveria ser de Violet.

— Não... — Eu suspirei — Apenas tomando ar. Fique tranquilo.

Na verdade, eu estava hesitando, pois eu já havia sonhado com o quarto de Violet também. E se ao abrir a porta eu atestasse que o meu sonho me levara até ali?

— Certeza de que está tudo ok, Mahana?

— Uhum... — suspirei — Está.

Se eu dissesse a Asaloom que havia sonhado com a casa dele, provavelmente ele teria razões suficientes para se preocupar comigo, mais do que já parecia estar.

Mas minhas tentativas de retomar o fôlego e agir normalmente se complicaram assim que entrei no quarto de Violet. Eu reconhecia o ambiente iluminado por uma luz indireta vinda do abajur ao lado da cama. O que eu temia aconteceu: eu me familiarizava com aquele ambiente também. Como seria possível, meu Deus? As minhas tentativas racionais de explicar tais fenômenos já estavam se esgotando completamente.

Olhei para o teto e o 'flash' de memória do meu sonho surgiu como um lampejo na mente, onde eu caí daquela altura após ouvir um grito estridente de Violet. Isso era uma lembrança muito fresca.

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