Um

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— Isso não tem graça! — resmungou o pai.

Não, graça nenhuma — pensou Kylie Galen abrindo a geladeira para pegar

uma bebida. Na verdade, tão pouca graça que ela gostaria de poder se esgueirar para

dentro da geladeira, se encolher entre a mostarda e cachorros-quentes bolorentos e

fechar a porta para não ouvir mais as vozes irritadas que vinham da sala.

Lá estavam seus pais brigando de novo!

Não que aquilo fosse durar muito — pensou ela enquanto observava o vapor

escapando pela porta da geladeira. Hoje ela sabia que o pai iria embora!

Kylie sentiu um nó na garganta. Engoliu a emoção em seco e se recusou a

chorar. Aquele devia ser o pior dia da sua vida. E ela já vinha tendo alguns muito

ruins ultimamente. Um cara desconhecido na sua cola, Trey terminando o namoro

com ela e os pais anunciando o divórcio — caramba, era desgraça que não acabava

mais! Seria então de admirar que seus terrores noturnos tivessem voltado com tudo?

— O que você fez com a minha cueca? — o grito do pai penetrou na cozinha,

meteu-se pela fresta da porta da geladeira e ficou pairando em volta dos cachorros-

quentes.

A cueca dele?

Kylie pressionou uma latinha gelada de refrigerante contra a testa.

— O que eu iria fazer com a sua cueca? — perguntou a mãe com aquela voz

de não estou nem aí. Era bem sua mãe, ela nunca estava nem aí. Fria como gelo.

Kylie olhou pela janela da cozinha o quintal, onde há pouco tinha visto a mãe.

E ali, da grelha da churrasqueira ainda fumegante, pendia a cueca do pai.

Que beleza!

A mãe tinha feito churrasco da cueca do pai. Só isso. Kylie nunca mais

comeria nada do que fosse assado naquela grelha. Tentando conter as lágrimas, ela

devolveu a latinha ao refrigerador e foi até a porta da sala. Talvez, se a vissem,

parassem de agir como crianças e deixassem que ela fosse a adolescente ali. O pai

estava no meio da sala, segurando na mão uma cueca. A mãe, no sofá, bebericava

com a maior calma um chazinho quente.

— Você precisa de tratamento psicológico! — gritou ele para a mulher.

Dois pontos para o pai — pensou Kylie.

A mãe realmente precisava de ajuda. Mas então por que era Kylie que tinha de

ficar estendida no divã da analista, duas vezes por semana? Por que o pai — o

homem de quem, todos juravam, ela conseguia tudo — é que precisava ir embora,

abandonando-a?

Kylie não o censurava por querer deixar sua mãe, a Rainha do Gelo. Mas por

que não levava Kylie com ele? Outro soluço sufocado na garganta.

O pai virou-se e a viu; em seguida, entrou no quarto, obviamente para guardar

o resto de suas coisas — menos a cueca, que naquele momento fazia sinais de fumaça

Nascida à Meia-Noite - (Saga Acampamento Shadow Falls, #1) Onde histórias criam vida. Descubra agora