Onze

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Durante o almoço, as apresentações acabaram sendo mais embaraçosas do Kylie tinha previsto. Cada pessoa disse seu nome e "o que" era, mas, quando chegou a vez de Kylie, ela só disse seu nome. Nos instantes que se seguiram, o silêncio da sala tornou a atmosfera sufocante. Holiday apressou-se a explicar que a origem dos poderes de Kylie ainda estava sendo investigada e que seu "estado mental fechado" não era intencional, mas consequência dos seus dons.

Se alguém por ali ainda duvidava de que ela era a mais esquisita entre todos os esquisitos, agora já estava bem ciente do fato graças à líder do acampamento. Holiday talvez pretendesse ajudar, mas Kylie sem dúvida teria dispensado essa ajuda. Por sorte, já tinha conseguido engolir metade de um sanduíche de peru, pois a partir daquele instante não seria capaz de comer mais nada.

Pouco depois do seu momento embaraçoso sob a luz dos refletores, o celular de Kylie tocou. Leu o número da mãe na tela e desligou o aparelho. Por nada neste mundo gostaria que pessoas dotadas de super audição ouvissem a conversa com a mãe.

Tão logo a reunião oficial do almoço terminou, Kylie pediu a Holiday que lhe mostrasse sua cabana. O jantar seria as seis e, até lá, teriam a tarde livre. Nesse período, "aconselhavam" que procurassem se entrosar, conhecer os colegas de acampamento e de alojamento.

Em vez disso, porém, Kylie passou as quatro horas seguintes remoendo suas emoções tumultuadas, escondida no cubículo que era seu quarto. Sim, sabia muito bem a diferença entre "aconselhar" e "exigir".

Sentada na cama, calculou de novo o tamanho do quarto. Não que estivesse se queixando. O fato de ter seu próprio quarto tornava irrelevantes as proporções. Considerando-se os terrores noturnos que a afligiam três ou quatro noites por semana, a privacidade era muito bem-vinda. Só esperava que as paredes fossem grossas o suficiente para abafar o que a mãe chamava de "gritos arrepiantes". As de sua casa, é claro, não eram.

Mordendo o lábio, Kylie se perguntou de novo como a mãe pudera fazer aquilo com ela. Mandá-la para aquele lugar quando, só uma semana antes, recomendava que não passasse a noite fora, porque seria embaraçoso que outras pessoas a surpreendessem aos gritos em pleno sono.

Procurando afastar a mãe dos pensamentos, Kylie correu novamente os olhos pelo quarto. A tarde não tinha sido um total desperdício. Tinha arrumado suas coisas, retornado a ligação da mãe — a conhecida Rainha do Gelo —, tentado entrar em contato com Sara — que ainda não tinha telefonado nem enviado mensagem —, lido as regras do acampamento e se desfeito em lágrimas bem à moda antiga.

Choro muito merecido.

Durante dezesseis anos, havia tentado descobrir quem era. E, embora soubesse que ainda tinha um longo caminho pela frente, sentia confiança nas próprias descobertas. Agora, porém, percebia que não só estava errada sobre quem era como nem sequer sabia o que poderia ser.

Resumindo, uma crise de identidade.

O celular tocou de novo. Kylie leu o nome do pai no identificador de chamadas. O pai que a abandonou. O pai que não foi buscá-la na delegacia. O pai que não a visitou antes de seu embarque forçado para o acampamento. O pai que

obviamente não a amava tanto quanto ela acreditava. O pai cuja falta, a despeito de tudo, Kylie sentia de todo o coração.

Se aquilo fazia dela a "filhinha do papai", ela não ligava. Provavelmente era uma situação passageira. Cedo ou tarde, deixaria de amá-lo como ele tinha deixado de amá-la também. Certo?

Sentiu um aperto na garganta. A tentação de atender e implorar para que ele fosse buscá-la ficou tão forte que ela jogou o telefone nos pés da cama. Continuou ouvindo o sinal de chamada e concluiu que, se respondesse, acabaria contando a respeito dos sobrenaturais e o fato de ela ser um deles — e também do encontro com Lucas Parker, o serial killer em potencial.

Nascida à Meia-Noite - (Saga Acampamento Shadow Falls, #1) Onde histórias criam vida. Descubra agora