II 2.5 Despedida

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Naquela manhã, Serena acordou exausta, enjoada e sem qualquer vontade de ser uma regente, mãe de três filhos e com um quarto a caminho. Estava com os nervos à flor da pele, uma ânsia que não passava e a impressão de que estava acordada enquanto seu corpo continuava dormindo. Geralmente, dias que começavam com esse ânimo nunca acabavam bem.

Era estranho que logo aquela noite tivesse sido tão conturbada, principalmente porque havia sido uma rara ocasião: nenhum de seus filhos acordara durante a noite. Ela e Joshua experimentaram um sono sem interrupções em uma cama que, depois de tantas noites desconfortáveis, parecia grande demais para duas pessoas. Ela sabia que sentia-se cansada por causa da quantidade de sonhos que invadiram a sua mente sem pedir permissão durante a madrugada.

Mesmo assim, conseguia se concentrar a ponto de quase não se lembrar deles.

Antigamente, ela acordava com a mente recheada de visões que lhe davam pistas do futuro. Corria para anotá-las em seus cadernos e, depois, passava o dia procurando por dicas do que significavam.

Hoje, ela sabia que não passavam de devaneios.

Ela dizia para si mesma que bastava não dar atenção aos sussurros da loucura, mas era preciso muito mais esforço do que isso para simplesmente bloqueá-los e mandá-los para os porões da sua mente.

Ainda estava tentando contê-los bem longe do seu consciente, quando o braço de Joshua envolveu sua cintura e ele disse contra o seu ouvido: – Já estou com saudade.

Só então ela se lembrou da discussão da noite anterior, quando Joshua a comunicara de que partiria para Hiwot a pedido de Emeka Afia.

A justificativa não era estranha: mais uma vez, as fronteiras estavam ameaçadas e Afia pedia a ajuda de Blake em uma excursão exploratória para identificar possíveis canais de invasão. Mesmo assim, Serena não concordara com aquilo. Ela estava grávida, cansada, cheia de afazeres. Seus filhos precisavam de atenção, eram muito novos ainda, além disso, ela sentia-se estranhamente fragilizada pela chegada daquele bebê. Era o único que ela só tinha visto na barriga em suas visões.

Com Yara, ela havia visto o rostinho doce e bochechudo antes mesmo de seu nascimento.

Os gêmeos Lile e Lucas tinham aparecido na véspera de seu casamento com Joshua, em um sono custoso, cheio de culpa pelo que estava prestes a fazer.

Na época, tudo o que ela queria era ser feliz novamente.

Estava apaixonada por Joshua Blake.

Há dois anos, Damien partira e, desde então, Blake estivera ao seu lado, confortando-a, sendo um pai para Yara.

Ela sabia que, se os fios de Alim não tivessem sido puxados, ela jamais iria para a Ilha. Seria enviada com a sua irmã para Shailaja, onde conheceria Joshua Barrett Blake, que a encantaria com seus olhos doces, seu jeito racional, divertido, leve. Ela seria imediatamente atraída por ele e, é claro, ele retribuiria com entusiasmo.

Então, qual o sentido de não traçar esse caminho? Por que se sentia tão culpada em entregar sua mão ao homem que era seu Destino desde o nascimento?

Damien era cinzas.

Apenas uma lembrança boa.

Um amor que ainda vivia ali, nas feições de sua filha.

Logo após a perda, por meses, ela desejara, todos os dias, que Amadum voltasse para buscá-la, para levá-la para junto dele. Porém, havia Yara.

Ela não podia se abandonar na morte.

Ela precisava viver.

E havia sido graças a Joshua Blake que reencontrara a vontade de viver novamente.

O Portal IV - Fios de Alim - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora