Parte 1 - Retorno

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Uma coleção de camisas verdes musgo sobrepostas sob a cama e não apenas essa tonalidade de camisa, algumas eram brancas, outras totalmente pretas mas nada de estampas, havia duas azuis - minha cor favorita - para exercício físico, as calças em sua maioria militares e insígnias espalhadas pelo edredom não seria algo usual exceto para o ego dos ideais, como tudo no mundo é.

O quarto cheirava levemente a mofo, uma umidade incomum de algo que não era aberto ou explorado a exatos 8 anos acredito eu, agora aos 34 anos ainda me recordo exatamente de como as ideias imaturas fizeram de mim ter a vida que inicialmente não queria ter. Naquele dia há oito anos atrás eu me encontrava indo embora da casa de verão do meu pai, que ficava em sítio em no interior paulista. Estranhamente saindo sem nem mesmo meu irmão mais novo saber que eu iria até por que era culpa dele o fato daquele imprudente sentimento que nasceu em mim.

Era quase como se eu fosse um bicho estranho no ninho, passei o dedo sutilmente na estante do quarto por cima de uma camada fina de poeira, observo a digital escurecer de poeira. A janela está suja, embaçada de uma poeira e também da chuva que cai do lado de fora.

Do lado de fora... me retiro do quarto feito um gatuno, o trovejar ecoa nas nuvens ao alto da casa daquela tempestade de verão de fim de tarde, as luzes estão apagadas e está escuro por conta do temporal - sóbrias centelhas e focos de luz sobre as penumbradas sombras da casa antiga de madeira. Caminho até a ponta do corredor por onde vem a claridade extrema do corredor, na ponta uma enorme área de vidro, feita de janela de vidros largos, o som da chuva batendo na pequena área em formato de estufa é como reviver a infância, antes minha mãe deixava diversas plantas aqui, era uma das áreas mais bonitas e verde da casa, agora é só uma área velha. Do lado de fora o gramado, empoçado de água da chuva, a grama pelo menos está aparada e verdinha, e ao centro do quintal dos fundos o pé de salgueiro-chorão, já estava aqui, muito antes de eu crescer, muito antes de mim, muito antes de Cadu que está sentado abaixo do salgueiro em um balanço de madeira, suspenso em um tronco firme da árvore.

Ele está ensopado, mas não parece se importar com o temporal feio que cai sobre sua cabeça, usa um suéter vermelho vinho e observa seu próprio reflexo na poça abaixo dos seus pés descalços e flutuantes sobre a poça que se forma abaixo do balanço.
Seu rosto está mais expressivos, os cabelos continuam ruivos, e com ondas mesmo molhado é possível ver os cachos se esforçando para continuar tortos com o peso da água e a sua expressão é triste, como se estivesse vendo a coisa mais feia em seu reflexo, ele agora tem um bigode fino e ruivo, sua pele parece mais branca que o normal como se não pegasse muito sol, pálida, mas ainda corado no nariz, maçã do rosto e na região da testa franzida, com ás sardas levemente mais visíveis, os olhos são verdes, - tão verdinhos mas sem brilho algum, ele emagreceu um pouco, talvez tenha sido consequência da droga e a promessa quebrada, continua um nanico de um metro e setenta e três, olhar para ele dói e dá raiva.

— É assim quando chove, ele diz que adora ver a chuva — disse o meu velho pai atrás de mim. — Mas eu digo que ele não precisa estar nela para ver.

— Ele está realmente bem pai?

— É... está, limpo faz 3 anos — respondeu — É um orgulho para mim, e para ele também. Quando ele te ver vai ficar muito feliz, ele não fala muito de você mas eu sei que ele sentiu saud... — meu pai  disparou a tossir pesado.

Toquei seu ombro e sua costas em amparo enquanto a crise de tosse permanecia constante. O olhei assustado, e meu pai sorriu com aquele sorrisinho amarelo apoiando a mão em seu cilindro de oxigênio. Existem coisas que de fato mudam com tempo e deteriora-se como o pulmão de seu pai que começou a se desmantelar como uma pétala de rosa velha e desgastada pelo tempo.
Quando fui embora ele parecia ter um vigor para mais uns cem anos, mas essa é a surpresa da vida, não sabemos quanto tempo vamos durar, e acreditamos que vamos viver para sempre. Não para meu pai que já está com seu prazo de validade em cima, segundo seus médicos ele pode ir a qualquer momento, está desenganado, por isso estou aqui, somente por isso.

Meu pai respirou fundo com os olhos lacrimejantes e tristes devido a crise, balançou a cabeça ao melhorar da tosse.

— Vou chamar ele para ele sair da chuva... e vir te ver. — disse meu pai limpando os olhos e a boca murcha em um pedaço de tecido velho.

— Não, não faz isso — falei baixinho  — Ele sabe que eu viria?

No fundo eu não estava nenhum pouco preparado para o meu reencontro com meu irmão mais novo. Na verdade nem queria revê-lo é estranho saber que eu e ele não deixamos de ser irmão tampouco de sermos amantes por que no fundo algo em mim revivia toda vez que o via - era uma merda, me esforcei muito para ser menos gay, talvez mais aceito, já ele? Ele era meio que assumido como tal, disso eu sabia, o jeito não negava e mesmo fugindo dele em oito anos, bastava uma foto e eu ficava todo balançado por Cadu.

— Sim. Mas ele não disse nada a respeito acho que... — tosse — Que ele só não estava preparado, você sempre nos pega de surpresa, como da vez que foi embora do nada após aqueles dias no sítio.

Dei um riso sutil, aquilo me pareceu uma alfinetada dolorida.
Dei as costas para a chuva e também para Cadu após notar meu próprio reflexo na vidraça.

Tudo é ruim por aqui, como visitar os fantasmas de um passado que queira abandonar como sempre fiz, toquei ombro meu pai agitando a cabeças e um srriso sutil, ele sorriu sem força.

— Vou terminar de arrumar minhas coisas no quarto.

Disse indo rumo ao quarto e assim fiz desfiz a segunda mala e a terceira, ao terminar de arrumar as coisas me retirei do quarto, precisava comer algo, mas ao sair notei a porta do quarto de Cadu meio aberta, e pela fresta notei que algo havia mudado, empurrei a porta vagarosamente.

Não era nem de longe o mesmo quarto, parecia um atelier bagunçado, havia um cavalete, várias telas e tecidos de desenhos espalhadas, além de papéis folhas espalhadas por uma mesa, e ilustrações esboçadas – diversas – pela parede, pelo chão caídas, sobre a mesa, tantas pinturas e esboços, com traços perfeitamente lindos, coloridas, com cores vivas, isso significava que a empresa gráfica de meu pai ainda estava em boas mãos, até que em uma das pinturas na parede deparei-me com o rosto de minha mãe, feito em cores vermelho, rosa, azul, meio monocromático e um tanto abstrato em aquarela.

Senti o coração disparar, mas não por isso, e sim quando notei que havia uma pintura minha, era certamente eu em desenho, de traços como um desenho em quadrinho pintado a aquarela, sem camisa e sentado em um sofá de cueca, era algo um tanto erótico e bizarro para mim, mas tão bonito que não tinha como achar tão assustador assim. Levei a ponta dos dedos até a folha de papel um pouco mais grosso que uma folha comum.

Aquele era o Cadu que eu não conhecia, Cadu sempre foi tão organizado e perfeccionista que  sinceramente não sabia que ele desenharia coisas tão sem formas, e também teria uma traço tão único que não fosse perfeito, por que agora era nas imperfeições que estava a mais bela expressão de quem Cadu era.

Tive a estranha sensação de ser observado e ao me virar Cadu estava parado na porta, empurrei sutilmente as folhas da mesa de volta ao lugar que estavam, mesmo espalhadas, retirei os fones de ouvido o olhando. Ele estava com outra roupa, menos molhado mais seco, toalha entorno do pescoço, paralisado mas sem esboçar nenhuma expressão, nem de emoção, nem tristeza, nem mesmo surpresa em me ver ali, oito anos depois.

— Hã, oi, oi Cadu, nossa... — dei um riso sem graça, pensei por um momento que podia caminhar até ele e abraça-lo mas isso seria estranho fiquei nervoso sem saber o que fazer.

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Eu ia disponibilizar.uma play list mas desistikkkk boa leitura amigos!

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