Learning To Walk

6

Alguns meses depois.

Eu tinha uma irmã.

Eu não conseguia assimilar isso, e estava culpando os sedativos que tinham me dado para dor depois de sair da Ilha de Man com o braço direito todo esmagado, passei por cirugia, e vários enxertos e agora tenho um pino no osso do cotovelo.

Fecho os olhos rezando para que quando voltar a abri-los a pasta terá sumido das minhas pernas raladas e esfoladas todas cobertas de curativos.

Não funcionou.

Meus olhos passam por fotos atrás de fotos de uma garota que tem tudo o que eu não tenho.
Sempre tive orgulho de parecer com mamãe do que com ele, e agora encontro alguém idêntica a ele.
Eu nem precisaria de um exame para ter a certeza, mais queria ver a garota pessoalmente.

- Dezoito anos?

- Sim, prova da traição, procuramos resquícios de que ele ainda se envolve com a mãe, más aparentemente foi um casinho que teve consequências.

- Acha que minha mãe sábia?

- Quero mesmo acreditar que ela não descobriu e que não se atirou da escada por isso, eu o mataria.

Vejo os olhos de Gabe espelhando mesmo ódio que estou sentindo agora, todo direcionado a uma única pessoa.

- Eu sempre pedi sinceridade, sempre, aprendi sobre confiança e fidelidade antes mesmo de aprender a andar e agora você aparece com essa?!

Ele se aproxima e se abaixa na minha frente.

- Nunca quis te machucar Mia, mais te conhecendo eu sei que você iria querer que eu falasse a verdade, estou fazendo o que ele não fez, mesmo que isso te doa, também me dói te ver sofrer mais não tenho escolha.

E eu sempre seria grata por sua sinceridade, mesmo que esteja me matando por dentro.

- Me tira daqui.

- Eu vou, deixei o jato no aeroclube aqui perto, nem vamos passar pela alfândega, durma.

O que quer que ele tenha usado em mim, surtiu efeito na hora.

Eu nunca pensei que fosse sofrer tanto, logo agora que estava começando a me recuperar da dor de perda da mamãe.

Eu não tinha coragem de ligar para ele.
Ele traiu a ela, nossa família.
Me traiu.

Eu queria tirar tudo dele, eu queria destruir ele da mesma forma que estava me destruindo ao descubrir sua traição.
Ele fez isso quando eu tinha só três anos e continuou fazendo ao não contar a verdade.

Será que ela morreu pensando que ele era o marido perfeito e fiel? Como eu pensava até ontem.

Eu passei os últimos dois dias acordando e adormecendo, e toda vez que acordava o sentimento de raiva e de traição me corroíam.
Uma hora eu soube que estava em num quarto de avião, na outra em uma casa.

Eu sábia de uma coisa, não conseguiria perdoar, nunca.

Só não sábia o que fazer ainda, iria para cima dele com todas as minhas armas o deixaria para trás e simplesmente daria o meu desprezo? Tenho certeza que o último doeria mais, eu queria ver ele sangrar.

- Oi, você precisa comer alguma coisa. - Gabe me ajudou a sentar na cama.

- Eu preferia que você fosse o meu pai, ela sempre foi fiel e foi recompensada com uma vida de mentiras.

Ele me olha sério por um instante, abre a boca e depois fecha e depois de outro longo silêncio sorrir.

- Eu também preferiria. - ele sorriu - mais quem escolheria um traficante todo errado que ganha a vida matando pessoas ao invés de um riquinho mimado todo certinho?

Pelo menos ele tem senso de humor.

Abro a boca e recebo uma colherada de sopa.

- Você me sequetarou. - acuso com a boca cheia - você precisa está recuperada para enfrentar essa batalha, vamos dá um tempo.

Balanço a cabeça.

- Ainda tenho quatro meses de faculdade.

- Por enquanto você está de licença médica, cuidei disso, estando aqui ou na Califórnia não faz diferença, eu passei na mansão e trouxe tudo o que tinha no quarto, todos os diários.

- Obrigada, vou vê isso depois, mais olha. - tomo mais um pouco - não acho que ela escolheria o caminho mais fácil se esse fosse o caso.

- Também acho.

- Então antes de lermos isso, estamos concordando que acreditamos que ela não se mataria.

- Não mataria, eu cresci com Angelique e a conhecia muito bem.

- Certo, então vamos supor que ela descubriu a traição e a filha bastarda... ela teria me contado, mamãe jamais me faria sofrer de propósito, o fato de ele ter mentido não significa que ela teria ido por ai.

- Ela não foi, foi um acidente, Price.

- Sim sim, vamos logo acabar com isso. - chuto os lençóis e ponho as pernas para fora da cama.

- Só mais uma colherada? - abro boca e tomo mais um pouco da coisa ruim.

- Onde estão?

- Na sala.

Saio para fora do quarto ignorando os protestos do meu corpo fodido, o efeito os remédios foi embora pelo jeito.

Me sento no sofá e pego o último diário que ela escreveu, o de 2023 que ela estava apenas iniciando, folheio com a mão esquerda encontrando poucas páginas preenchidas, e na última um pedido de desculpa e uma carta selada.

- Que merda? - Pego a carta e estendo para Gabe que rasga e lê em silêncio.

Ele me olha apreensivo.

- Um testamento, e a senha de uma conta no exterior.

- O que isso significa? - penso em voz alta e vejo seus olhos lacrimejarem.

- Somos humanos price, as vezes nos enganamos.

Não.

- Não não não não não... - sou amparada por ele que me abraça e me puxa para seu colo me embalando até minha voz sumir engolida por soluços altos.

E eu sei. Que essa é só calmaria antes do furacão.

- Você está bem.

E eu sábia disso, porquê quando a nova camada de dor passasse era que viria o ódio destruidor, e eu estava pronta para abraçar isso.

Eu iria querer passar com um carro por cima dele.

Mia, se você está lendo este diário é porquê já deve saber da verdade, juro que tentei esconder de você o máximo que pude e suportei aguentar. Me desculpe por ter sido fraca e ter desistido, aguentei o que pude... Não consigo mais. Nunca quis te fazer sofrer querida, sempre te protegi de tudo e de todos mais não consegui te proteger do seu próprio temperamento, você é uma menina tão esperta e inteligente que sacaría tudo logo, você vai sofrer sim, mais quero que chore pelas boas memórias que construímos e não pelo que estou fazendo... Tomei decisões na vida das quais me arrependo se pudesse teria escolhido outro caminho, feito escolhas diferentes, mais fazer isso também significaria nunca ter tido você e me arrependo de tudo o que fiz, menos de ter você... Eu vi muitas coisas, odiei ter a verdade exposta na minha cara por minha irmã, mais não quero que a odeie por isso, teria sido pior continuar nesta mentira... Não odeie a garota Mia, vi traição, vi dor, e também vi uma menina que passou dezoito anos sem um pai, ela é tão inocente nisso quanto você. Lute por ela, Mia, é toda a família que vai te restar. Gabriel vai cuidar de você, peça perdão por mim. Eu te amo, não me odeie e nunca, nunca escolha a razão.