Deveria Ser Crime

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Você não está preparado para uma madrugada de quarta-feira que despertará o mais real dentro de você. Estar preparado para coisas desse tipo nem sempre é agradável e isso pode parecer precipitado, mas acalme-se, essas palavras não são achismos meus, são experiências de vida. Vivências das quais sinto uma enorme falta. Na verdade, sinto falta de como eu lidava com tudo aquilo. E de repente o questionamento é solto em minha mente conturbada: Qual momento da sua vida você sente mais falta? 

Estou preparado para responder isso?

Vivi para ter um momento que mais sinto saudades?

Eu realmente vivo?

A minha mente entra em um estado de choque que me faz sentir o quanto eu existo. Se é que eu existo. Eu já não consigo fingir que não sei a resposta. Cansei de mentir para mim mesmo. Eu não consigo mais ser o que eles querem. Eu sempre soube disso, desde as mais complicadas transições da vida humana. As transições da minha vida são somente minhas. Sei de tudo que passei em cada uma delas. Ou pelo menos lembro do necessário. O necessário para existir. Eu existo? Esse verbo é tão real quanto o que sinto agora. O que tanto me persegue. 


A saudade de minha Infância.

Eu ainda sei o que é ser criança?

Ela está viva dentro de mim?

Você ainda existe dentro de mim, meu amor? 

Você está aí?

Sinto falta dos dias em que o puro e o sincero valiam mais que ouro. Sinto falta das tardes em que era mais eu do que qualquer outra coisa. Sinto falta de quando sentava em frente a janela e o sol dominava aquele corpo puro. Sinto falta de quando não havia preocupação em ser algo, muito menos de quando eu não me importava com a maldade existente no mundo. Na verdade, eu nem sabia dessa tal maldade.  Bruxas, fadas, princesas, feiticeiros, ladrões, reis. Eu era todos eles. Eu tinha o poder de ser o que eu quisesse ser.

Sinto falta de quando fazia arte. Desde quando fui arte. Eram momentos aos quais pertencia a qualquer coisa que imaginasse. Momentos que não eram corrompidos por meus traumas e insatisfações adolescentes. O meu ser era autêntico, feliz e belo. A vida me dominava, e eu dominava a vida. Era como se fosse um simples caderno brochura em que escrevia o meu mundinho de fantasia. O amor, a alegria e a diversão nunca me fizeram falta. E nunca deixei fazer falta para os outros também. Era tão natural que minha mente se curava dos problemas com pouco esforço. Aquilo não parecia passageiro. Era como se fosse predestinado a existir. Como sempre imaginei, não dessa forma madura, mas da forma mais ingênua que compunha aquele ser. Não existia nada para me parar, apenas uma bronca de meus pais para me impor limites. Mas limitar um ser tão autêntico quanto aquele deveria ser um crime. Deveria ser crime. Aqueles olhos revelavam arte na beleza em que viam o mundo. O mundo não era cruel. O mundo era possibilidade. Mil possibilidades de ser feliz. Mil possibilidades de mostrar o contrário. Mil possibilidades de ser livre, mesmo que eu não soubesse que já tinha a maior liberdade do mundo: A liberdade de ser eu mesmo. Mesmo não conhecendo tudo sobre mim. Apesar de não ter consciência de minha identidade, sou um adolescente. Mesmo que eu tivesse uma compreensão limitada sobre a existência.

A vida brincava comigo. Era lindo. Apenas uma infinitude de significados do que era viver. Não tinha fim. Era apenas o começo. O começo de minha vida, que mal sabia eu, iria mudar drasticamente.


  

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