Capítulo XIII - Dessa vez deveria ser real

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-Então...

-Então?

-Ela tem um amigo chamado Aike, ele também é da ciência da computação.

-Conheço... -Nicolas pareceu se conter antes de dizer.

-Ah foda-se! Você já ta no meio disso mesmo. O que aconteceu foi que Madison descobriu que o Lucas estava trocando mensagens com ele, então um dia ela veio até o treino e começou a jogar isso na cara do Lucas na frente de todos nós. Falando que ele estava traindo ela e tudo mais.

-Mas ela me disse que foi uma garota.

-Então ela mentiu para você, acho que ela não queria aceitar que era com outro cara, mas ela espalhou para todo os jogadores. O Lucas ficou muito envergonhado e agora acho que ele e o Aike não estão se falando. Ele preferiu ser um idiota do que dizer a verdade para todos.

-Então o Lucas não assumiu ele porque estava com vergonha?

-É difícil, Victoria. Você passa por isso todo dia, todo dia alguém comenta algo sobre você e eu ainda aposto que não conseguiu se acostumar. -concordei com a cabeça. -O Lucas não sabe lidar com isso, vem de uma família extremante conservadora e o que ele fez acabou sendo um pouco... homofóbico.

-Por que você diz isso?

-Por que eu conheço ele a muito tempo, eu sei que ele tem vergonha de ser quem ele é. Eu nunca julguei ele por namorar garotas mesmo não sentindo nada, mas quando Madison começou a agir dessa forma e quando Lucas começou a magoar alguém que não tinha nada haver com isso. Eu fiquei tão nervoso.

-A Madison me disse que você contou para ela.

-Ela distorceu tudo, eu não disse assim, eu não falei que ele era gay. Eu apenas disse para ela que ela devia ficar com alguém que gostasse dela de verdade. Disse que o Lucas estava apaixonado por outra pessoa.

-Você não disse que ele era gay?

-Não. Eu nunca disse isso. -Nicolas olhou as horas no celular. -Eu preciso me apressar tenho aula agora. A gente conversa mais na próxima vez.

Quando ele disse isso senti um vazio no peito, era interessante conversar com ele, Nicolas era alguém verdadeiro, diferente da imagem silenciosa que passa, quase pedi para ele ficar, quase impedi ele de ir. Mas antes que me desse conta ele já tinha saído da mesa e já estava a caminho da saída, nem sequer esperou que eu me despedisse, suspirei.

*

Naquele dia quando sai da faculdade fui até a consulta com o psicólogo que Mackena tinha marcado, o consultório era perto do meu apartamento então decidi parar lá antes de ir para casa, não demorou muito para eu ser chamada depois que cheguei. Eu já tinha ido em alguns psicólogos antes mas sempre saia mais triste do que quando entrava. Falar meus problemas em voz alta faziam eles parecerem ainda mais reais e isso me abalava.

-Olá! -a mulher tinha um rosto maduro e o cabelo curto bem arrumado. Ela apontou para um sofá, eu me direcionei até lá e me sentei. -Me chamo Taylor, iremos conversar hoje e tudo que for dito aqui será confidencial. Sua assessora me entregou um contrato de confidencialidade, então pode ficar tranquila.

-Ok, obrigada. -era sempre assim.

-Então, Victoria, o que te traz aqui?

-Não precisa agir assim, eu sei que você já deve me conhecer.

-Bem, não estamos aqui para falar de mim. Me fale sobre você, o que te aflige? -apenas segui o mesmo de sempre e comecei a falar sobre mim, como se esses psicólogos dessem a mínima.

-Acho que esse tempo todo eu só estive tentando ser perfeita. Eu confesso, fiquei obcecada pela superfície. Agora tenho medo de encarar meus sentimentos, tenho medo de voltar a ser a garota que eu era antes, quando não era querida por ninguém. Acho que é isso...

-Agora você se sente querida?

-Agora eu tenho seguidores.

-Essas duas coisas não são iguais, Victoria.

-Não. -ela me olhou com neutralidade quando eu concordei.

-Me diga, você acredita que os sentimentos dos seus seguidores condizem com os sentimentos na vida real?

-Vou te dizer a verdade. Eu não costumava me incomodar tanto com isso ou pensar tanto nesse assunto. Mas depois que alguém me disse algo, eu comecei a ficar estranha, como se tivesse despertado uma coisa em mim. Eu acho que meus pais me negligenciaram, eles me deram os instrumentos para que eu me tornasse isso hoje, um monte de inseguranças e medos.

-Tem certeza?

-Eu tenho certeza de que me sinto desamparada. -a frase saiu involuntariamente, eu nem pensei em me definir assim antes. A psicóloga me olhou como se soubesse exatamente o que acontecia no meu interior, nenhum deles nunca tinha me olhado assim antes, como alguém de verdade com sentimentos. Ela não parecia me julgar por ser uma influenciadora ou por viver uma vida de imagem, ela parecia me ver para além disso, como se validasse meus sentimentos.

-Talvez você sempre tenha se sentido excluída nos grupos ou na vida, mesmo antes, e agora que "todos te conhecem" acaba fazendo isso sozinha, acaba se escondendo de todos propositalmente. -parei para pensar por um segundo sobre isso. -O medo é importante para nosso desenvolvimento porque ele é aquele que deve ser superado, se o medo te impede de viver coisas ele é apenas danoso.

-O que isso quer dizer? -me ajeitei no sofá me aproximando dela, aquilo realmente era interessante, as perguntas e frases dela me instigaram.

-Não tenha medo dos seus sentimentos, enfrente eles, descubra sua verdadeira eu. Com certeza você não é mais aquela garota que você deixou de ser quando tinha quinze anos e nunca mais será, você também não é mais a garota que você vinha sendo. Então agora você precisa entrar nessa jornada para descobrir sua nova eu. Persiga esse sentimento.

-Que sentimento?

-Esse que só você conhece, esse que te fez vir até mim hoje. Desbrave ele.

Era como se um bigbang tivesse explodido dentro da minha cabeça, antes dela nenhum outro me disse para perseguir meus sentimentos. Eu sempre estive colocando minhas vontades em segundo plano, nem sequer me lembro de ter um sonho. Tudo que eu fui durante todo esse tempo foi uma marionete, não estava vivendo de verdade, estava apenas seguindo o roteiro. Era tudo que eu conhecia, aquela vida de mentira, com pessoas de mentira e sentimentos de mentira. Talvez seja a hora certa de começar a viver de verdade e de me sentir alguém de verdade com sentimentos de verdade e com vontades.

Eu não quero ser sua - O ponto de vista daquela que foi rejeitadaOnde histórias criam vida. Descubra agora