Minhas Razões

Por que se foi?

   Enquanto as gotas batiam contra o vidro dianteiro do carro, meus pensamentos me levavam a um local distante ao que eu estava. Quanto mais eu lutava para fugir, mais as minhas memórias me torturavam. Elas me controlavam tanto que quando percebi estava lento e os carros ao meu redore ultrapassavam com facilidade, pelo menos à eles eu não atrapalhava.
   Sua imagem no banco ao meu lado é tão nítida que posso sentir o seu cheiro, a sua presença, a sua falta. Eu me recusava a aceitar o presente, mas ao olhar no passado percebi que o destino já estava traçado e como não fiz nada para impedir, não posso reclamar. Passo a mão sobre a face tentando afastar tudo que me atrapalha, olho para a janela e vejo no reflexo a certeza que você não está mais aqui. Apenas o assento frio me faz companhia, pelo menos você está feliz, agora que casou não precisa mais deste amigo que morava junto de ti por muitos anos. Não precisa de alguém atrapalhado seu casamento, mesmo quando namorava eu só atrapalhava, vocês não deviam satisfação à mim. Eu só era um amigo que morava naquela casa, que sempre encontrava o casal junto e se sentia mal por ver quem ama com outra pessoa feliz e eu desejando a separação.
   A ponte, agora perto, a única saida rápida mais rápida da cidade, estava vazia. Acelerei e tentei passar o quanto antes por ela, talvez deixando de pisar no mesmo solo que você deixo de ser idiota e paro de te amar. Talvez quando eu não olhar mais para cada curva de seu rosto, a delicadeza dos traços que tanto me atraem e convidam a observar por horas. Talvez só assim percebo que você casou e eu não estou ao seu lado.
   A cidade ficou para trás, suas luzes viraram borrões luminosos no horizonte. Os prédios não mais faziam volume, todos fechados, não impunham a sua grandeza. Você nunca percebeu que eu te amava, sempre me contando novidades sobre o namoro, sobre o noivado, sobre o casamento... Eu fui tolo de nunca dizer abertamente? Ou fiz o certo? Nunca dariamos certo, aliás sou somente um amigo que sempre sorria quando contava suas aventuras e nunca repreendia. Sou um idiota que deixou o amor escorrer por suas mãos pouco a pouco, mesmo podendo tentar fechar a mão, mas não fez.
   No dia do seu casamento foi um dia inesquecível, eu estava ao pé da escada esperando, enquanto o noivo estava na porta recebendo os convidados. Ao ver sapatos brancos descendo os liso degraus de madeira com um carpete por cima, sabia que a noiva estava descendo, ambos selando seus destinos e o meu. Eu não podia ir embora, sendo o padrinho do casamento eu devia ser o último a sair. Bem eu quis ser melhor amigo de um dos noivos, agora aguentaria.
   Durante a cerimônia tentei me manter calmo, mas não. A estrada estava vazia, a distância entre as duas cidades era pouca, lembrado do motivo de tanta agonia peguei a foto que tiramos. Eu estava no andar de cima, tomando ar para suportar a tristeza que formara em meu peito. O noivo, não percebendo isso me chamou para tirar uma foto, recusei o máximo que pude, o máximo que consegui. Não haviam mais forças para negar ou dizer algo.
   Segurando o meu me guiou até o altar improvisado no quintal, não ficou ruim, na verdade estava prefeito, a não ser pelos noivos.  Ele me colocou a lado da noiva e fomos fotografados assim, eu (o amigo que não assumiu seus sentimentos por ser cabeça dura), a noiva (com a cabeça levante inclinada na direção oposta a mim) e o noivo (também virando a cabeça para completar o cenário).
   A raiva tomou conta de mim, o único objeto fácil em minha mão sofreu as consequências, rasguei a foto separando eu e a noiva do noivo. Não haviam motivos para eu fugir, freiei bruscamente. Parando todo o veículo. O motor ainda fazia barulho. Estava quente. Respirei, pausadamente. E, desabei.
   Não tinham mais barreiras em minha volta, as lágrimas escorriam sem preocupação alguma. Não adiantariam, ou resolveriam meu problema, mas aliviaram a dor que sentia. A pontada que sentia no peito toda vez que respirava. O sorriso sincero que havia em seu rosto, mais cedo, que rasgada meu coração em apenas um golpe.
   Alisando a foto me senti culpado por te amar tanto, por querer estar ao seu lado sem pensar no que sentia, quem você ama. Eu, bem, eu só era um amigo que morava com você, um confidente, companheiro e para mim um secreto amante. Amor platônico, não nego, mas ainda em algum lugar em mim dizia que havia  esperança, que você veria que meu amor é muito maior do que os outros. Só eu sei seus defeitos, todos, qualidades, que são muitas, manias, fofas, caras e bocas. E não esta pessoa que invadiu nosso espaço.
   Meu único consolo é esta foto rasgada, o noivo e a noiva não merecem. Com dor junto as metades, imaginando o dia que nunca existirá, o dia que ele vai olhar para mim não como apenas um amigo, e sim o amante que sempre vi nele. Os dois de terno, meu sorriso forçado e a real alegria dele, na foto, me tranquilizou. Me mostrou que em ao menos  um lugar seu amor se concretizou.
   Com o tempo o bom aroma de seu perfume deixará o banco do meu carro, sua ausência será esquecida, a falta do seu calor se tornará comum. E esta ilusão vai me direcionar, eu queria gritar para te dizer, mas não me ouviria. Por favor não... Eu sou fraco, não conseguiria dizer para abrir mão da sua felicidade, seria tão bom se eu conseguisse te fazer feliz. Eu não sou sua alegria, seu sorriso sincero, eu sou apenas um amigo.

    - Por favor, não - eu tentei dizer, apenas em meu carros, mas as lágrimas não deixaram. A frase morreu junto a minha vontade de lutar.

   A chuva continuava a cair, um pouco mais forte, igual a mim. Eu o via no banco de passageiro, olhando para frente dizendo que eu estava muito lerdo hoje. Ao tentar te tocar, percebo que tudo é a minha imaginação. Você some e aparece batendo no meu vidro, todo molhado. Não, não irei cair em desespero novamente. Liguei o carro e acelerei a tempo de escutar ao fundo:

   - Por favor, não vá! - você que se foi sussurrei para mim e fugi do meu amor, dos meus delírios, das minha memórias. De você...