4 - Mas Fica Só Na Minha Cabeça, Sempre Só Na Minha Cabeça

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Mina estava sozinha.

Não, correção.

Mina era sozinha.

Ela se lembrava do homem antes gentil que cuidou dela até que ela tivesse mais ou menos 5 anos, Jinyoung. Depois, ele foi embora e nunca mais voltou.

Desde então, a não ser que se conte pelos empregados mortos da casa que faziam a comida e a limpeza, podia-se dizer que Mina estava sozinha. Eles não falavam com ela e Mina preferia assim mesmo, porque eles mantinham a aparência do momento em que morreram (órgãos expostos, espada no crânio, cabeça quase cortada, entre outros).

Agora, com 19, quase 20 anos, Mina odiava Jinyoung, porque a casa era aterrorizante, e Mina nunca teve uma noite de sono pacífica. Quando o homem ainda cuidava dela, ela lhe tinha dito que tudo o que via, todos aqueles sonhos, estavam apenas em sua cabeça e não poderiam fazer mal a ela. E que, as pessoas que apareciam em seus sonhos e depois apareciam novamente quando ela estava acordada, as formas, os bichos, tudo também estava apenas em sua cabeça.

Mas no dia anterior, a cobra tocou Mina. Isso nunca tinha acontecido. Ela já havia sonhado com a cobra antes, sempre matando algo para comer, mas a cobra nunca encostara nela até então. E então, aquela figura horripilante, com o formato de pessoa mas sem rosto e com cores neon, apareceu à sua frente e ela gritou. O que mais poderia fazer? Gritou tanto que se sentiu perdendo as forças e desmaiou em cima do prato em que estava almoçando.

Quando acordou, percebeu que os empregados já haviam limpado tudo e estavam fora de vista (ela preferia assim de manhã, mas à noite preferia que eles aparecessem porque ela se sentia sozinha e apavorada o tempo todo).

Foi até a sala e chorou um pouco. Estava tão cansada. Memórias com Jinyoung ecoavam em sua mente.

Ela estava naquele mesmo sofá, Jinyoung a ajudava a montar um quebra-cabeças.

- Jin, o que é um "pai"?

O homem sorriu gentilmente.

- Viu isso em algum desenho, Minari?

- Uhum - concordou enquanto montava o céu do brinquedo de 500 peças.

- Um pai e uma mãe são pessoas adultas que têm filhos. Depois de crescer, você consegue gerar outro ser humano, entendeu? O pai é o homem que gera, mas também pode ser simplesmente o homem que cuida.

Mina parou sua atividade e pareceu absorta em pensamentos. Jinyoung adorava Mina, via nela um prodígio.

- Você é meu pai, então?

- Não sou. Mas você pode me chamar assim, se quiser - explicou com um sorriso.

- Ah. Eu não quero, não, valeu.

Jinyoung riu e continuaram a montagem.

- Minari.

- Sim?

- Eu vou ter que ir embora.

- Mas volta amanhã? - Mina não se assustou de primeira, porque o homem não passava 100% do tempo com ela, sempre ia trabalhar, de acordo com ele, às vezes passando dois ou mais dias fora.

- Não. Não vou voltar por muito tempo. Mas você vai me ver de novo. Isso eu prometo, ok?

Mina não gostou de ouvir aquilo. Quem iria cuidar dela? Em todos os desenhos que via, um adulto cuidava da criança, às vezes até tinham mais crianças e nenhuma criança ficava sozinha. Ela não podia ficar sozinha, certo? E Mina tinha medo, muito medo de seus sonhos.

Desmontando o quebra-cabeças num ato de rebeldia, saiu correndo, subiu as escadas e foi para seu quarto. Deitou de bruços na cama e chorou baixinho.

Alguns minutos depois, a porta se abriu e Jinyoung apareceu.

- Vai embora - falou com a voz embargada de choro. - Você tá me adobanando.

- Abandonando - o homem corrigiu e Mina bufou

- Mina, olhe para mim.

A menina obedeceu.

- Sabia que eu não posso ver os empregados?

- Sim, - assentiu - você já me contou.

- Isso que você tem, Minari, é um dom incrível. Você vê o mundo diferente das outras pessoas. Seus sonhos são parte disso também. Mas o mundo é um lugar perigoso, minha querida. E você precisa ficar forte. Comigo aqui, você nunca vai ficar forte o suficiente, está bem?

Mina virou o rosto para o outro lado novamente.

- Não. Nada bem. Eu tenho medo.

- Mas você vai deixar de ter. Além disso, sei que você não gosta deles, mas os empregados também te protegem, além de fazerem comida deliciosa. Eles são muito prestativos, considerando que já morreram, não?

Mina riu pela primeira vez durante toda a troca.

- Quando você vai? - Perguntou virando-se novamente para Jinyoung.

- Amanhã.

- Você me acorda antes de ir?

- É claro, meu bem.

Ele não a acordou e aquela havia sido a última vez Mina o viu.

Mina cresceu e nutriu cada vez mais ódio e rancor contra Jinyoung por deixá-la sozinha. Seus sonhos foram ficando mais assustadores e dessa vez eles a haviam alcançado fisicamente. Nesse sonho, fora apenas uma cobra de tamanho médio, mas e quando fosse a costumeira aranha gigante? Ou o Homem Muito Alto de Chapéu e Bengala? Ainda pior se fosse a Mulher que Cozinhava Gente Viva.

Passando alguns minutos pensando sobre o que poderia fazer para resolver aquela situação, ela teve uma ideia.

- EMPREGADOS! - Gritou, sem muita esperança de que aparecessem, porque durante todos aqueles anos eles nunca falaram com ela e nem ela com eles. Mas, para sua surpresa, eles apareceram, os quatro. Mina quase se sentiu mal por não saber o nome deles. Apenas os identificava pelo que ela imaginava ter sido a forma da morte (espada no crânio, sem um olho, estômago para fora e cabeça quase completamente decepada).

- Oi. Eu sei que nunca nos falamos e que em geral vocês me assustam e talvez isso seja ofensivo pra vocês. - Os quatro fantasmas apenas sorriram como se dissessem "que nada, fica sossegada". - Vocês falam?

Os fantasmas assentiram.

- Então, porque não estão falando?

Eles então se aproximaram dela, mais do que ela gostaria e apontaram para suas bocas; Mina percebeu que estavam costuradas e quase soltou um grito.

- Jinyoung fez isso com vocês?

Os fantasmas assentiram de novo. Mina observou enquanto Espada no Crânio caminhava até a cozinha e voltava com um calendário na mão. Ele apontou para a data 24 de Março. Era o aniversário de Mina.

- O que tem no meu aniversário?

Espada no Crânio fez um sinal com os dedos na boca como se estivesse abrindo um zip.

- Vocês vão poder falar comigo no meu aniversário?!

Espada no Crânio fez "joinha".

Depois daquele dia, Mina não se sentiu solitária e teve direito a quase dois meses de paz. Os sonhos continuavam, mas parecia que agora que ela não se sentia mais sozinha (quem ligava que seus novos amigos eram gente morta?) os monstros que a atormentavam em suas noites de sono haviam perdido a força.

Quando 24 de Março finalmente chegara, Mina tentou muito, mas não conseguiu acordar.

Toc - Toc (Ato 1) - TWICE AUOnde histórias criam vida. Descubra agora