CAPÍTULO QUATRO

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Abro a janela de casa e me jogo no sofá chorando. Sinto como se tivesse perdido algo. Meu estômago dói e não é só de tristeza. Abro a geladeira e como o resto de burrito que encontro.
Acordo depois de um apagão com cacos de vidro ao redor de mim. Eu devo ter quebrado alguma coisa em algum momento de raiva. Me levanto passando pelos cacos de vidro e vou pro corredor do prédio. Uma mulher segurando um bebê passa pelo corredor. Me aproximo dos dois sorrindo.
— Que bebê lindo — digo.
A mulher sorri pra mim. Seguro a pequena mão da criança. E vejo, em menos de dois segundos a pouca vida que a criança teve. Então eu não perdi os poderes.
Me afasto dos dois sorrindo, volto pro  apartamento e me arrumo pra ir a escola.
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— Por que não me ligou quando saiu de lá — pergunta Peter assim que me vê nos corredores da escola.
— Eu dormi. Tony falou algo pra você?
— Não. Por que? Aconteceu alguma coisa?
— Foi uma visita normal.
— E o que ele achou dos poderes? — pergunta Pete animado.
— Os poderes não funcionaram com ele.
— Como?— fala ele um pouco alto demais.
— Eu não sei o que aconteceu.
— Vamos pra aula.  Depois quero ouvir tudo o que aconteceu ontem.
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— Como é que os poderes não funcionaram ? — Peter pergunta incrédulo.
  Estamos sentados na varanda de alguém. Ajudamos um cara a recuperar uma bicicleta, uma senhora nos pediu informação de como chegar em um lugar. Termino de comer o churros que a senhora comprou pra nós dois.
— Simplesmente não funcionaram.
— Já aconteceu antes?
Paro e penso. Na verdade sim.
Minha mãe era uma mulher de cabelos escuros como os meus. Ela tinha um sorriso espetacular. Nem sempre consigo lembrar de seu rosto por completo. Mas eu lembro do sorriso, eu nunca me esqueci do sorriso. Eu nunca consegui absorver seus poderes.
Ela tinha a capacidade de mudar as emoções das pessoas. Na verdade eu acho que as pessoas ao redor dela tinham os mesmos sentimentos que ela. Quando ela estava triste, eu também estava. Quando ela estava feliz eu também estava. E isso acontecia com todos ao nosso redor, pelo menos era o que eu percebia quando mais nova. Ou talvez fosse outra coisa. Mas tenho certeza que nunca me importei em absorver poderes da minha própria mãe. Não lembro de ter tentado.
— Eu acho que não conseguia absorver os poderes da minha mãe. Na verdade eu não sei se ela realmente tinha poderes. E não lembro de ter tentado absorver.
— Então nós voltamos a estaca zero — diz ele. — Se você não sabe, então talvez seja algo que tenha a ver só com pessoas como o Sr. Stark
— Pessoas bilionárias? Ou gênios desenfreados? — pergunto.
— Eu não sei — ele diz. — Vamos falar sobre outra coisa. Seu pai. Já parou pra pensar em quem seja?
— Aquele grupo que me trouxe até aqui. Rocky, que é um deles — digo sorrindo ao me lembrar de Rocky — me falou sobre um cara que era apaixonado pela minha mãe. Pode ser meu pai. Mas não faz sentido, porque meu pai deve ser humano.
— Por que acha que ele é humano? — questiona Peter. —  Pode ser um caso proibido que sua mãe teve com um plebeu do seu povo e então ela fugiu pra Terra.
— Não pode ser...
— Sempre existe uma possibilidade.
Não existia uma possibilidade para aquilo.
Mesmo tendo passado anos trancada em uma jaula. Só saindo para ser cobaia de testes, sei que existe um motivo para os Freyanos não terem contato frequente com mundos estrangeiros. Sei que o que minha mãe fez foi dar a luz a uma criança que é perigosa para os outros e para si mesma.
— Quando um Freyano tem filhos com outro Freyano a criança nasce com uma espécie de mistura de poderes dos pais. Todos os Freyanos tem habilidades — falo. — Existe uma lei que impede um Freyano de ter filhos com outros povos. Motivo. É só olhar pra mim, e vai saber porque acho que meu pai era humano.
— Espera. Significa que quando um Freyano tem filhos com um humano ou alguém de outro planeta. Ele tem poderes como o seu — diz Peter.
— Bom, é mais ou menos isso. Eu acho— digo. — O problema é que eu não sei até que ponto posso controlar os poderes.
— Ei, pode controlar eles muito bem.
A primeira memória vivida que tenho é de uma sala de estar um tapete cinza claro. Bonecas espalhadas pelo chão. Eu devia ter seis ou sete anos. Uma menina da minha idade estava brincando no mesmo cômodo que eu. Minha mãe conversava alto na cozinha com uma mulher. Lembro de te-la visto uma única vez, não lembro se era nossa vizinha ou amiga de minha mãe.
Lembro de ter encostado no braço da menina enquanto brincávamos. Senti meus dedos formigarem, meu coração batia mais forte. Todas as memórias, tudo passou como um filme, lembro de ter achado aquilo incrível. Eu não me afastei da menina. Quando me dei conta a única coisa que restava na minha frente, era um monte de terra vermelha. O tapete cinza tinha manchas da terra, e manchas vermelhas muito escuras. Lembro que corri para a cozinha, minha mãe me olhou assustada. A mulher parecia confusa. Depois um apagão.
Me pergunto o quanto daquela menina ainda existe em mim. Porque eu não só absorvi um pouco dela, eu tirei tudo dela. Ela se tornou eu, e eu ela. A ideia da terra vermelha me assusta, mas não me assusta mais que o barulho vindo da rua.
Caras mascarados como os vingadores entram em um banco.
Que ironia.
Pete, hora do trabalho.
  Abrimos a porta do banco e entramos. Segundo Pete a entrada surpreendente é a mais óbvia.
Limpo a garganta pra que percebam nossa presença.
Um dos caras mascarados bate em Pete. Aquele era o Hulk ? Tento me concentrar em bater nos caras mascarados, um deles aponta uma arma com luz azul em direção a Peter.  Bato na cabeça dele. A arma cai no chão e uma luz atravessa até o outro lado da rua. Uma lanchonete começa a pegar fogo.
— Não não! — grita Pete.
Corro até o outro lado da rua e entro na lanchonete que está pegando fogo. Tento controlar a tosse, me rodeio com um campo de proteção. Ele falha várias vezes até eu encontrar um homem e um gato no meio do fogo. Levo os dois pra fora.
— Graças a Deus — diz Pete assim que nos vê.
— O que era aquela coisa amarela ao redor do seu corpo ? — pergunta ele.
Entrego o gato ao homem e me aproximo de Pete.
—  Campo de proteção. Não funciona muito bem. Minha vó fez o possível pra que a maioria dos poderes não funcionassem.
— Pelo visto ela não teve sucesso — diz ele.
Andamos por um telhado Peter pega o celular e liga para Happy.
— É muito estranho aqueles caras terem armas daquelas — fala ele.
Pete discute com Happy algumas vezes durante a ligação. Não presto atenção no que estão falando, meu estômago revira.
— Phoebe é pra você — diz Peter entregando o celular pra mim.
— Apelido legal.
— Eu disse que ia encontrar algo melhor.
Pego o celular e encosto no ouvido.
— Alô?
— Persephone. Nome elaborado. Eu não vou tomar muito do seu tempo. Tony quer ver você, eu mando a localização.
— Tá bom — digo tentando entender o que acabou de acontecer.
Entrego o celular pra Pete.
— O que era ?
— Tony quer me ver.
— Fala sério eu quero ir pra uma missão estou pronto pra coisas grandes e ele chama você.
Ele olha pra mim assustado percebendo o que acabou de falar.
— Desculpa, é que...
— Você tem razão. Mas ele provavelmente vai me humilhar e depois eu volto — digo. — Pete.
— O que é?
— O que acabou de acontecer no banco é uma coisa grande. Não precisa da ajuda de ninguém pra resolver problemas como aquele.
  Ele olha pra mim pensativo. Abraço ele. Talvez de um modo exagerado. Demora um tempo até ele retribuir o abraço sem se assustar, mas então estamos ali nos abraçando como se nossas vidas dependessem disso, e eu gostaria de nunca mais me soltar, porque talvez minha vida realmente dependa desse abraço.
Me afasto dele e fico triste como se fosse uma planta murchando.
— Eu volto logo Pete.
Fazemos o cumprimento com as mãos.
— Isso tem um nome ? — pergunto me referindo ao cumprimento.
— Não. Mas vou pensar em um nome—  diz ele sorrindo.
— Até mais Phoebe.

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